sexta-feira, 17 de abril de 2009

Traduzir-se

Ferreira Gullar


Uma parte de mim é todo mundo
Outra parte é ninguém, fundo sem fundo

Uma parte de mim é multidão
Outra parte estranheza e solidão

Uma parte de mim pesa, pondera
Outra parte delira

Uma parte de mim almoça e janta
Outra parte se espanta

Uma parte de mim é permanente
Outra parte se sabe de repente

Uma parte de mim é só vertigem
Outra parte linguagem

Traduzir uma parte na outra parte
Que é uma questão de vida e morte
Será arte ?

Um comentário:

  1. apenas a título de intertextualidade fica o poema de Oswaldo montenegro disponível em http://letras.terra.com.br/oswaldo-montenegro/72954/

    Metade
    Oswaldo Montenegro

    Que a força do medo que tenho
    Não me impeça de ver o que anseio.

    Que a morte de tudo em que acredito
    Não me tape os ouvidos e a boca
    Porque metade de mim é o que eu grito
    Mas a outra metade é silêncio.

    Que a música que ouço ao longe
    Seja linda ainda que tristeza
    Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
    Mesmo que distante
    Porque metade de mim é partida
    Mas a outra metade é saudade.

    Que as palavras que eu falo
    Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
    Apenas respeitadas
    Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
    Porque metade de mim é o que ouço
    Mas a outra metade é o que calo.

    Que essa minha vontade de ir embora
    Se transforme na calma e na paz que eu mereço
    Que essa tensão que me corrói por dentro
    Seja um dia recompensada
    Porque metade de mim é o que eu penso e a outra metade é um vulcão.

    Que o medo da solidão se afaste, que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.

    Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
    Que eu me lembro ter dado na infância
    Por que metade de mim é a lembrança do que fui
    Mas a outra metade eu não sei.

    Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
    Pra me fazer aquietar o espírito
    E que o teu silêncio me fale cada vez mais
    Porque metade de mim é abrigo
    Mas a outra metade é cansaço.

    Que a arte nos aponte uma resposta
    Mesmo que ela não saiba
    E que ninguém a tente complicar
    Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
    Porque metade de mim é a platéia
    A outra metade é a canção.

    E que a minha loucura seja perdoada
    Porque metade de mim é amor
    E a outra metade também.

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