domingo, 17 de junho de 2012

Pranto amargo


Ando por uma terra
onde tudo é sequidão.
Já não vejo boi vistoso,
vejo boi magro no chão.

Vejo a moça que lê O quinze
e chora sua condição.
Vejo roceiro ir pra cidade
em busca de solução.

Vejo animais morrendo,
sem ter como se valer.
Vejo famílias em luto
overbo é apenas morrer.

Olho pro céu tristonho
e fico a matutar.
Por que tamanha judiação?
Eu quero apenas plantar.

Única água que vejo,
essa não serve não.
É a água dos meus olhos,
pranto amargo do sertão.

Já fazia trinta anos.
Essa veio pra se vingar.
São José inda não deu jeito,
o negócio é lamentar.

A espera castiga gado
castiga terra, plantação.
Leva nossa gente a dizer:
essa terra tem jeito não!

A cidade começa a sentir
a falta que a chuva faz.
O leite já tá faltando
na mesa daquele rapaz.

Os doutores se reúnem
a fim de discutir.
Falam de métodos
pra fazer água fluir.

Mas se sou mesmo um forte
Como dizem por aí,
vou fazer valer o ditado,
não vou deixar minha fé sumir.

Vou esperar água do céu,
essa com fé há de chegar.
E com alegria vou dizer,
essa é pra plantar.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

“Deus é brasileiro” e a Teologia da Prosperidade

Somente depois de quase dez anos de lançamento do filme “Deus é brasileiro”, dirigido por Cacá Diegues, resolvi dedicar quase duas horas de uma tarde de domingo para apreciar esta obra cinematográfica de título tão atraente. Há quase dez anos atrás, talvez meus julgamentos prévios, conceitos sobre Deus e a forma como me relacionava com Ele, me fizeram podar o interesse em conhecer a obra.
           Nesta comédia, Deus, fatigado da desordem do mundo, resolve tirar umas férias, andar de bobeira pela galáxia como fazia há tempos atrás. Para isso, procura um substituto temporário, fora dos padrões religiosos, diga-se se passagem. Nesta aventura o Criador encontra-se com uma espécie de guia turístico, um tal Taoca, atrapalhado pescador que a todo momento desafia o Todo-poderoso  a fazer milagres. Para Deus, fazer milagre é coisa muito trabalhosa, por isso, evita na maioria das vezes. Taoca também aproveita o encontro para tirar dúvidas e expor suas opiniões teológicas.
           E por falar em assuntos teológicos, pude perceber que o filme desenha um caminho antagônico àquele proposto pelo movimento que a cada dia ganha terreno em nosso país, a chamada Teologia da Prosperidade. Talvez os defensores desta Teologia considerem este filme muito prejudicial aos seus discursos. Primeiro, porque para eles, pensar em um Deus que se cansa é dar um tiro no próprio pé. Segundo, porque enxergar o milagre como algo que Deus não gosta muito de fazer é o mesmo que retirar a mola propulsora de sua engrenagem. Neste movimento, Deus é nada mais nada menos que o refém do homem.
           O filme trata de questões relacionais entre o ser humano e o ser divino. Por isso, a música Anjos caídos, do grupo Cordel do fogo encantado se encaixa tão bem ao enredo do filme. Uma das cenas digna de destaque é aquela em que o Criador ao ouvir esta música explica: “Eles estão dizendo que os seres humanos são os anjos caídos que Deus mandou cá pra Terra de castigo por terem botado defeito na criação do mundo. Aqui eles aprenderam com os bichos a ter filhos, viraram muitos, começaram a inventar casa, rua, cidade, país e um monte de máquina. Era pra imitar Deus ou mexer em tudo que ele tinha inventado. No início Deus ficou danado da vida, mas, depois acabou foi amolecendo o coração com o dengo dos anjos caídos e com o jeito errado deles fazerem as coisas, surpreendentes, fora de controle, diferentes do resto”.
           Confesso que depois de ouvir da boca do Altíssimo uma explicação como esta, vê-lo andar de mochila nas costas, caminhar com gente “errada”, viajar em um caminhão roubado e de pau de arara pelo sertão nordestino, ficou muito mais difícil pensar que Deus está apenas revestido de poder e assentado num sofisticado trono de glória.