terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Mulher madura não é pra qualquer um



Semana passada vi a seguinte notícia no facebook: "Mulheres com instrução maior ficam mais solteiras". Fonte: Jornal Metro Brasil, 12 de janeiro de 2012.
Imediatamente lembrei deste texto do professor Marcos Aurélio Souza¹. Gosto muito desta reflexão e estava esperando um momento devido e a autorização do autor para publicá-la. Recebi a autorização e o momento  de publicar o texto chegou, pois, ele pretende responder sobre o fenômeno da solterisse feminina. O autor não atribui este fato somente ao status educacional que as mulheres estão adquirindo, como propõe a notícia do facebook, mas,  à cautela e um cuidado inteligente de si. Dedico este post à Adriana Barbosa e Luanna Rodrigues. Boa leitura!!!

Perereca pra frente*

"La mujer no es solamente un instrumento de conocimiento, sino el conocimiento mismo,
el conocimiento que no poseeremos nunca, la suma de nuestra definitiva ignorancia:
el misterio supremo". (Ruben Dario)


Há muito estou querendo escrever um texto para (e sobre) as mulheres. E hoje, ouvindo a letra de um famoso pagode muito tocado aqui em Salvador, aproveitei um trecho como mote, criei o título e comecei a escrever. Ainda que muitos desses pagodeiros sejam machistas e só enxerguem a mulher como bunda, vagina, pernas e peitos, há sempre algo que se possa aproveitar. É mesmo possível inverter tudo o que se possa ridicularizar uma mulher nessa cidade, porque simplesmente elas estão "dominando o pedaço".

A despeito de uma pesquisa que foi divulgada, indicando Salvador como a cidade com o maior número de “mulheres sozinhas” do Brasil (tal pesquisa apesar de apontar o número de homens, enfatizava o número das mulheres, como no destaque da Revista Veja: http://veja.abril.com.br/270405/p_126.html) há algo imponentemente feminino nessa cidade, que certamente machos desocupados não se interessariam em pesquisar. É impossível não notar uma presença muito significativa das mulheres onde quer que você vá em Salvador, até em profissões tradicionalmente masculinas, como taxistas, motoristas de ônibus, cobradoras, policiais etc. As “mães solteiras” por opção e não apenas por falta de, e as chefas de casas estão em maior número também.  Isso não resulta apenas da chamada revolução feminina, de uma demanda do mercado ou duma vantagem numérica (como a revista insinua) isso é, sobretudo, uma mudança paradigmática, que nós homens (e também algumas mulheres) precisamos tentar entender e assimilar rapidamente pra não ficar fazendo e falando besteira. Eu acho que  a idéia mais importante na conclusão da pesquisa dirigida pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) não deveria ser "quanto mais a mulher amadurece, menos chances tem de encontrar um parceiro", mas: quanto mais a mulher amadurece, mais criteriosa e esperta ela fica em relação a escolha de um parceiro. E isso não é apenas uma exigência dela, porque estão adquirindo elevado status econômico e educacional e querem isso dos seus parceiros, mas uma estratégia de cautela e um cuidado inteligente de si.

A vida de qualquer homem depende muito e cada vez mais das mulheres aqui em Salvador, e eu aposto ser uma realidade também em outros cantos do mundo. Temos cada vez mais mulheres decidindo a nossa vida, o nosso emprego, a nossa satisfação emocional e material. A solidão das mulheres, no caso das heterossexuais (eu ainda quero saber por que não deram igual importância ao número de homens solitários, e porque ainda não fizeram uma pesquisa com homossexuais) pode significar muitas coisas e talvez seja mais preocupante para os homens heterossexuais, sozinhos ou não, do que para elas mesmas. Há uma possibilidade enorme de que a maioria dos homens simplesmente não desperte o menor interesse como companheiro fixo, ou como companheiro provisório, para a maioria das mulheres (e isso sim é preocupante para nós) elas porque têm uma consciência maior do que a nossa, a respeito daquele clichê: “antes só do que mal acompanhada”. Elas certamente já presenciaram vidas infelizes de mulheres “acompanhadas” em suas próprias famílias, experiências de amigas, colegas, irmãs, tias que sofreram muito com seus parceiros/esposos/namorados violentos, machistas, burros e irresponsáveis. Há também uma necessidade premente de se fazer um recorte racial nessa pesquisa, o que certamente resultaria numa quantidade bem superior de mulheres negras, optando por essa “solidão” do que de mulheres brancas. E isso ainda é reflexo de uma sociedade, onde duas pragas juntas, o racismo e o machismo, contra a mulher são muito mais devastadoras, sendo uma opção segura a de viver só, do que com um companheiro abjeto e repugnante.


É também necessário pensar na possibilidade de que mulheres, nessas circunstâncias, vivam bem a sua sexualidade “solitariamente”, ou até vivam bem sem uma vida sexual (como alguns poucos homens também vivem) e isso não seja exatamente um problema ou tenha algo a ver com a falta de “pretendentes”, ou mesmo com a idéia de uma “solidão” (em nossa cultura machista, sempre relacionada à impotência e a carência femininas). As mulheres estatisticamente também podem estar preferindo uma vida amorosa (no sentido de sexo, inclusive) mais casual, sem compromisso, e isso é provavelmente uma boa forma de vivê-la nesse mundo.

Elas, nesse sentido, certamente estão aprendendo mais com a história do que nós homens. E quando eu ouvia o pagode cuja letra procurava expressar um corpo feminino no gesto sensual de “perereca pra frente, perereca pra trás” (uma daquelas metáforas para o órgão sexual feminino), eu fiquei imaginando um corpo e uma mente femininas que também expressavam: “tudo bem, mas 'sai fora', porque eu não sou pra qualquer um”.

_______________________
¹ Marcos Aurélio é Professor de Literatura Brasileira da UESB, campus de Jequié. Doutor pela Universidade Federal da Bahia.

* Acedido no Blog: http://aurelio-souza.zip.net/

domingo, 22 de janeiro de 2012

Ai se eu te pego no mundo gospel


Por Glauce Souza

Considero bastante engraçados alguns fatos sem muita importância que acontecem em nosso país e acabam repercutindo grandemente na mídia e gerando discussões nas redes sociais, emissoras de rádios, mesas de bares e por aí vai. Nos últimos dias temos assistido a episódios como, a insistência da acusação de um “Estupro” (negado tanto pelo acusado, quanto pela vítima), e a transformação de uma frase boba em bordão “menos a Luisa que está no Canadá”.
Enquanto estou escrevendo reflito nas palavras do jornalista do SBT, Carlos Nascimento, que afirmou: “Ou os problemas brasileiros estão todos resolvidos ou nós nos tornamos perfeitos idiotas”.
Mas há também outro assunto que está na boca do povo, é a música “Ai se eu te pego” (gravada primeiramente pelo grupo jequieense Cangaia de Jegue) que alcançou sucesso na voz de Michel Teló e hoje é cantarolada por todo o Brasil e mundo. Quem não sabe o refrão mais famoso do momento? A canção caiu até na graça do povo evangélico, ganhou versão gospel, gerou polêmica e me fez refletir. Não se espante se por acaso você ouvir por aí o ritmo da famosa música, com esta letra:

Glória, Glória!
A Ele toda Glória!
Assim eu prego, Assim eu prego
Domingo, na igreja
O pastor me chamou para pregar
Me inspirei na palavra mais linda
Tomei coragem e comecei a falar
Glória, Glória!
A Ele toda Glória!
Assim eu prego, Assim eu prego


Ouvi a notícia hoje, 21 de janeiro, numa emissora de rádio gospel, clandestina, da cidade de Jequié, que resolveu fazer uma pesquisa a fim de saber se ela deveria dar espaço a mais nova paródia. Esta discussão me levou a uma reflexão sobre o evangelho pregado em nossos dias.
Na rádio as pessoas se posicionaram contra a tal versão e eu sofria com as opiniões que ouvia. Era coisa do tipo: “Não concordo que esta música seja tocada na rádio porque ela é uma imitação de uma música ‘mundana’, as pessoas tocam e dançam nos bares”, “A letra é até interessante, mas, o ritmo irá fazer lembrar a música original e levará as pessoas a dançarem da mesma forma que é dançada no mundo”.
Cerca de 98% dos depoimentos dados no programa foram contrários a execução da música na rádio e todos eles possuíam um discurso moralista. Somente duas pessoas se posicionaram a favor de que a música fosse executada na tal rádio e uma dessas pessoas fui eu. Primeiro justifiquei minha opinião afirmando que só seria contra a excussão da canção nesta rádio se a mesma somente tocasse músicas de qualidade a exemplo do grupo jequieense Promessa D e do cantor cristão João Alexandre (estes cantores e outros também da cidade de Jequié, que não deu tempo citar, compõem músicas com teor poético e não fogem à mensagem genuína do evangelho).
Disse ainda que o autor da paródia pelo visto estava visando somente o lucro, pois aproveitou o momento/sucesso da música. E visto que este é também o objetivo de muitas músicas tocadas naquela rádio, questionei: “se esta emissora de rádio divulga músicas que possuem o mesmo objetivo financeiro que a paródia porque excluí-la deste espaço?”. Não obtive resposta.
A versão musical com a linguagem do mundo gospel somente reafirma aquilo que já sabemos: a obtenção de lucro faz parte da sua agenda e assim o mundo gospel tem seguido algumas propostas da cartilha da Rede Globo de Televisão. Hoje a emissora super poderosa, a fim de obter lucros financeiros, escancara as suas portas para o mercado gospel com direito a festival e tudo mais.  
Mas parece que os fiéis ainda não entenderam a gravidade da coisa. Muita gente acredita que a emissora toda poderosa está se rendendo à palavra de Deus, ainda que seja para a obtenção de lucro. Para estes fiéis os fins justificam os meios. E para mim, seus discursos caminham em grande dissonância com a verdadeira prática cristã.
Lamentavelmente, a Globo nunca irá se render à palavra de Deus porque a palavra de Deus não se harmonizará nunca com práticas capitalistas e perversas pregadas e reafirmadas por esta emissora.
Infelizmente, os problemas dos brasileiros não foram todos resolvidos. Sarney continua no Senado, nada é feito para tirá-lo de lá, a democracia no Brasil é algo distante como a Lua do planeta Terra e o mundo gospel dá a sua contribuição desenfreada ao sistema capitalista.
Na rádio gospel jequieense o locutor finalizou seu programa afirmando que não iria tocar a tal paródia em respeito à maioria dos seus ouvintes. Tomara que ele faça valer as suas palavras e não mude de ideia, caso veja a Globo, num futuro bem próximo, consagrando a paródia como fez com tantas outras músicas evangélicas que significavam lucro garantido.
Ufa! Uma semana carregada essa nossa. Luisa já voltou do Canadá, o Sarney ainda está no Senado, a música "Ai se eu te pego" continua fazendo sucesso e agora o mundo gospel se rende ao mercado do lucro sem perceber que está caminhando de mal a pior.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Bonhoeffer, uma canção que marca




Certo dia entrei em uma livraria evangélica da minha cidade à procura de algum livro interessante para comprar. Gosto de ler alguns escritores cristãos e me dedico a um estudo amador da teologia. Neste dia, meus olhos viram um livro que trazia em sua capa uma fotografia acinzentada do rosto de um homem desconhecido para mim. Era o pastor e teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) que havia sido enforcado pelo regime nazista por participar de uma conspiração para matar Hitler. Ao ler estas informações no fundo do livro, decidi comprá-lo. A obra intitulada Bonhoeffer, o Mártir (Responsabilidade social e compromisso cristão moderno) foi escrito por Craig Slane e possui uma escrita de caráter acadêmica bastante refinada o que me fez lê-la demoradamente.
Neste livro, é abordada a seguinte questão em relação à Bonhoeffer: É possível chamá-lo legitimamente de mártir cristão? Para responder esta pergunta Slane explora os conceitos de martírios no cristianismo primitivo e de que forma a vida cristocêntrica e socialmente responsável deste teólogo corresponde a esta definição.
Meu encanto com a vida de Bonhoeffer me levou a encontrar também uma obra cinematográfica dedicada a ele. O filme intitulado Bonhoeffer, o agente da graça nos leva a perceber como ele se posicionou diante do nazismo de Hitler na Alemanha, durante a II Guerra Mundial. É possível identificar que este pastor rompeu com parte de sua religiosidade e desenvolveu um novo pensamento teológico motivado pela conjuntura de um mundo em Guerra. Afirmou ele: “Ser mal é pior do que fazer o mal”, “É melhor um amante da verdade contar uma mentira do que um mentiroso dizer uma verdade”, “Fugir do pecado pode ser a culpa máxima”.
O filme registra o desejo de Bonhoeffer em conhecer, conviver e aprender com o líder Mahatma Gandhi, o primeiro a organizar uma campanha de desobediência civil por toda a Índia. É assim, que proibido de falar em público, ensinar e publicar seus pensamentos, Bonhoeffer alerta corajosamente sobre o perigo das leis ligadas ao nazismo. Segundo ele, elas significavam uma agressão contra o próprio cristianismo e uma exigência que um cristão somente poderia aceitar, caso viesse do próprio Cristo. 
   No filme há uma cena, a qual considero emblemática. Nela os nazistas entram no seminário, o qual Bonhoeffer ensinava, e destroem cadeiras, mesas e tudo que há ali. Para marcar a presença deles, aproveitam o desenho da cruz na parede e a transformam no símbolo nazista. A contribuição do desenho da cruz para o símbolo, representa nada mais nada menos que a própria contribuição que foi dada por pastores considerados cristãos a um governo tirânico nesta época.
Bonhoeffer tinha a consciência de que no futuro o mundo precisaria de uma nova forma de cristianismo. Para ele, havia somente um propósito para a religião no mundo moderno onde as pessoas viriam e compartilhariam do sofrimento dos outros e do sofrimento de Deus num mundo sem Deus. E é dentro de uma igreja destruída, com uma cruz caída, e a imagem do Cristo rasurada, no caminho de Flossenburg, que Bonhoeffer professa as seguintes palavras:

“Eu estive pensando o que Cristo irá significar no futuro. Vamos precisar de uma nova forma de cristianismo à medida que o mundo envelhece. Acho que só há um propósito para a religião no mundo moderno onde as pessoas virão e compartilharão do sofrimento dos outros e compartilharão do sofrimento de Deus num mundo sem Deus. Precisamos mais do que apenas religião no sentido formal. Precisamos de fé e de Jesus Cristo em seu ponto central. O verdadeiro cristianismo significa compartilhar a dor do outro. Não nos cabe profetizar o dia em que mais uma vez o homem irá pedir a Deus para que o mundo seja modificado e renovado. Mas, quando chegar esse dia haverá uma nova linguagem talvez até um pouco religiosa mas libertadora e redentora como foi a linguagem de Jesus. Irá chocar as pessoas com o seu poder, será a linguagem da nova verdade proclamando a paz de Deus junto aos homens”.
O filme mostra como Bonhoeffer enfrentou a morte. O tremor do seu corpo, admitiu ele, não era de medo, mas, do próprio frio que inundava seu corpo nu que caminhava em direção ao local reservado à sua execução. Somente alguém que vive o verdadeiro cristianismo consegue demonstrar coragem, ter esperança e acreditar que mesmo diante da morte ainda não é o fim.
No prefácio do livro Craig Slane compara a história de Bonhoeffer como aquela canção que ouvimos no rádio e não conseguimos tirar da cabeça. Foi exatamente isso que aconteceu comigo e continuará acontecendo com todos aqueles que conhecerem a história deste mártir. Embora não sejam divulgadas como deveriam, sua vida e sua teologia engajada são exemplos a seguir.
Depois de ler e assistir ao filme, não me resta dúvida de que Bonhoeffer deve ser considerado um mártir cristão, pois o mesmo vivenciou o evangelho genuíno de Cristo e em momento algum fugiu daquilo para o qual foi chamado.