sexta-feira, 29 de abril de 2011

Espiritualidade, cajuína, café e cachaça




Acabo de ler o livro Outra espiritualidade do teólogo e pastor Ed René Kivitz. Nele, Kivitz tece algumas críticas aos conceitos de cristianismo, igreja, céu e fé apresentados equivocadamente pela Igreja Evangélica Brasileira. Assim, Ed René fala de um outro cristianismo, de uma outra igreja, de um outro céu e de uma outra fé propostos pelo evangelho da graça de Deus.
Diante de muitos equívocos construídos ao longo da nossa História como evangélicos, Ed René afirma - na quinta parte do livro, ao falar sobre o estreitamento proposto por Jesus no caminho -, que a subcultura evangélica consegue propor um caminho mais estreito do que deveria. Ele exemplifica mostrando como se dá o relacionamento do evangélico com a arte: desconhece os poetas, não ler romance, divide a arte em profana e sacra, desvaloriza as biografias, proíbe o cinema, não dança, não frequenta museus, salas de espetáculos e teatro. Confesso que fui vítima deste estreitamento por muito tempo. A igreja com sua perversidade me fazia refletir da seguinte maneira diante de uma arte: "Será que isto agrada à Deus?" "Será que isto é de Deus?" e por aí vai... Minha apreciação pela obra era muitas vezes um verdadeiro caça-blasfêmia, pois qualquer livro, poesia, música ou outra expressão de arte que apresentasse algum tipo de blasfêmia à Deus, não prestava! Mas que bom que mudei! Hoje consigo apreciar e dialogar com todo tipo de arte, com tranquilidade e sem peso, medo ou condenação.

E como não pretendo mais ser prejudicada pela crueldade que faz parte da igreja, aproveito este momento para relatar sobre a riqueza do espetáculo Concerto de Ispinho e Fulô apresentado em minha cidade esta semana, pela Cia do Tijolo de São Paulo. O espetáculo me fez revisitar os textos denunciadores do grande poeta cearense Patativa do Assaré, pois o mesmo baseia-se em sua vida e obra. A poesia engajada de Patativa, reflexões acerca da vida, do amor, das injustiças sociais e do Divino foram as mais fortes expressões deste espetáculo. A platéia se viu envolvida num cenário tipicamente nordestino, participando da encenação, dançando, ouvindo de pertinho as poesias, as músicas e experimentando cajuína, café e cachaça. Em toda esta dinâmica, pude perceber que ao contrário da igreja, o ético e o estético divino compõem a poesia de Patativa e ela não deixa de representar Fé, graça e resistência propostos por Ed René no subtítulo do livro, pois o vento sopra onde quer. Pena que muita gente não se atenta à isto.



10 comentários:

  1. ainda veremos as igrejas vivendo a graça de DEUS.

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  2. Gal bela percepção,
    Vc evoluiu muito,
    Parabéns...

    Vamos de Assaré.

    O poeta da roça

    Sou fio das mata, cantô da mão grossa,

    Trabáio na roça, de inverno e de estio.

    A minha chupana é tapada de barro,

    Só fumo cigarro de páia de mío.



    Sou poeta das brenha, não faço o papé

    De argum menestré, ou errante cantô

    Que veve vagando, com sua viola,

    Cantando, pachola, à percura de amô.



    Não tenho sabença, pois nunca estudei,

    Apenas eu sei o meu nome assiná.

    Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre,

    E o fio do pobre não pode estudá.



    Meu verso rastêro, singelo e sem graça,

    Não entra na praça, no rico salão,

    Meu verso só entra no campo e na roça

    Nas pobre paioça, da serra ao sertão.



    Só canto o buliço da vida apertada,

    Da lida pesada, das roça e dos eito.

    E às vez, recordando a feliz mocidade,

    Canto uma sodade que mora em meu peito.



    Eu canto o cabôco com suas caçada,

    Nas noite assombrada que tudo apavora,

    Por dentro da mata, com tanta corage

    Topando as visage chamada caipora.



    Eu canto o vaquêro vestido de côro,

    Brigando com o tôro no mato fechado,

    Que pega na ponta do brabo novio,

    Ganhando lugio do dono do gado.



    Eu canto o mendigo de sujo farrapo,

    Coberto de trapo e mochila na mão,

    Que chora pedindo o socorro dos home,

    E tomba de fome, sem casa e sem pão.



    E assim, sem cobiça dos cofre luzente,

    Eu vivo contente e feliz com a sorte,

    Morando no campo, sem vê a cidade,

    Cantando as verdade das coisa do Norte.
    (Patativa do Assaré)

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  3. Valeu Dey, é tão gostoso ler Patattiva né?
    Ah...o primeiro comentário, minha mãe que fez, através do meu blog msm.

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  4. Gal!!! Soube que essa peça é fantástica!! Pena que não fui qdo teve aki em Feira!!!
    Adorei vc ter trazido um pouquinho de Ispinho e Fulô.
    Parabéns pela bela reflexão!!!
    Pena que os crentes que pensam num mundo maniqueísta, onde tudo acabará numa Grande Batalha Final entre o Bem e o Mal e que por isso sai demonizando tudo que vêem pela frente não lêem nossos textos... Tenho a sensação que falamos apenas entre a gente mesmo...
    Mas ainda assim a gente goza com nossas próprias reflexões!!! hehehehehe

    Bjo grande!!!!

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Pois é Neta, o espétaculo foi maravilhoso!
    E qnt às pessoas que demonizam tudo, meu desejo é que um dia elas possam se libertar deste "ranço" e se permitam contemplar o belo que existe no mundo, como propõe Rubem Alves.
    Obrigada pelo retorno!

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  7. Gal, que linda ponte você fez!
    Maravilhosa a sua refelxão, gostei muito!
    E também acho uma pena aqueles que limitam as artes a "de Deus" e "do diabo"...
    A peça foi uma das mais lindas que pude assistir até hoje, extremamente sensível e emocionante.
    Parabéns, Gal!! Você é de outro nível!!!
    Naionara

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  8. Gal, concordo com todos os comentários. Maravilhosa reflexão...E confiante também que um dia todos nós possamos sentir o fruir da graça de Deus "sem peso" como foi impregnada...

    Santo Antonio...Sabes pq...Vais longe.

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  9. Uau!
    Parabéns pela gostosa reflexão... e tão humano/divina...
    Continue escrevendo... precisamos de gente assim!

    Grande abraço!!!

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  10. Bem, existem especialistas capazes de influenciar as emoções!Quem são eles? Os sacerdotes! Eles conhecem os segredos da influência! Eles manipulam com música inspiradora, eles nos apequenam com pináculos altaneiros e neves monumentais, eles encorajam o desejo de submissão, eles oferecem a orientação sobrenatural, a proteção contra a morte, até a imortalidade. Mas veja o preço que cobram: escravidão religiosa; reverência pelos fracos; estase; ódio ao corpo, à alegria, a este mundo. Não, não podemos recorrer a esses tranquilizantes, a esses métodos anti-humanos! PRECISAMOS ENCONTRAR FORMAS MELHORES DE APRIMORAR NOSSOS PODERES DE RAZÃO, e eu não vejo outro caminho que não seja pela ARTE. Bjjjjjjjjjjjjjjjj Gal

    Adriano Queiroz

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