Depois de assistir ao filme e a um espetáculo de dança baseados na obra Ensaio sobre a cegueira do escritor
português José Saramago, resolvi ler o livro, narrativa ficcional da chegada de uma epidemia,
denominada cegueira branca, que atinge uma cidade. Comparada com um imenso mar
de leite, este mal ainda que seja branco leva suas vítimas às mais densas trevas.
Mas, também possibilita às pessoas enxergar que é preciso resgatar o afeto, a
sensibilidade, a compreensão, o perdão, o cuidado, a ética e por que não dizer o
amor?
A cegueira branca,
diferente das suas vítimas, se relaciona com todas as pessoas sem distinção de raça,
sexo, idade ou religião. Os personagens desta história de Saramago não possuem
nome, ele entendeu que “dentro de nós há uma coisa que não tem nomes, essa
coisa é o que somos” e isto basta. Por isso, preferiu denominá-los assim: o
primeiro cego, a mulher do primeiro cego, o médico, a mulher do médico, a
rapariga dos óculos escuros, o velho da venda preta e o rapazinho estrábico.
No manicômio
abandonado, lugar escolhido pelo Estado para isolar aqueles que foram atingidos
pelo mal, vivem a espera da mísera alimentação os mais novos cegos e por ironia
do destino tentam com muita dificuldade realizar atividades que antes declaravam
ter a capacidade de fazer de olhos fechados. O lugar é fétido e desumano, mas não
impede que os cegos reflitam sobre seus comportamentos e a condição em que se
encontram. Alguém declara filosoficamente: “Já éramos cegos no momento em que cegamos”.
Neste mesmo lugar também se encontra a única pessoa isenta da cegueira branca,
a mulher do médico que entende que o antigo ditado Em terra de cego quem tem um olho é rei não tem valia para ela,
pois se encontra de “mãos atadas” e não suporta assistir a degradação do ser
humano. Em alguns momentos, deseja até ser cega para se tornar igual aos outros
e aliviar seus ombros da “responsabilidade que é ter olhos quando todos os
perderam”.
Ler
este ensaio foi para mim, talvez, um dos maiores mergulhos no mar das reflexões
acerca da vida, da humanidade e de uma cegueira que faz parte de todos nós. É um
livro carregado de angústia, aflição, nojo, medo, escuridão, mas acima de tudo,
de resistência aos tempos escuros que vivemos.
Saramago declarou que
nesta obra, tentou dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem
para reconhecer isso. Por isso, cheia de coragem confesso que a cura da
cegueira branca na ficção juntamente com a declaração final da mulher do médico
abriu-me os olhos e me fez entender em nós outro antigo ditado O pior cego é o que
não quer ver, pois sabemos que a nossa maldade é o que nos deixa cegos e mesmo
assim não a abandonamos. Preferimos ser “Cegos que veem, Cegos que, vendo, não
veem”.