SANTOS, Boaventura. Um discurso
sobre as ciências. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
Por Glauce Souza Santos
Resumo:
A terceira tese apresentada por
Boaventura de Sousa Santos no que se refere ao paradigma emergente na ciência é
a de que todo conhecimento é autoconhecimento. Boaventura inicia esta
discussão fazendo um retrospecto de como na Ciência moderna o
conhecimento objetivo foi a base para a construção da distinção dicotômica
SUJEITO/OBJETO. Afirma que a passividade da distinção SUJEITO/OBJETO nas Ciências
naturais gerou um atraso nas Ciências sociais. Por isso foi necessário que
houvesse uma articulação metodológica entre a distinção epistemológica entre sujeito/objeto com a distância empírica entre sujeito/objeto.
A Antropologia e a Sociologia evidenciaram isto. Na Antropologia a distinção
sujeito/objeto aceitou ou exigiu que a distância
fosse relativamente encurtada através
de metodologias que obrigavam uma maior intimidade com o objeto, trabalho de
campo etnográfico. Na Sociologia, a distinção epistemológica obrigou que esta distância fosse aumentada por meio de metodologias de distanciamento. As vibrações
destes movimentos vieram a explodir no período pós-estruturalista. Foram a
Antropologia e a Sociologia que questionaram o status quo (estado atual) motodológico e as noções de distância
social em que ele assentava. Nas Ciências sociais há o regresso do sujeito
demonstrado na física quântica, que o ato de conhecimento e o produto do
conhecimento eram inseparáveis. O aprofundamento do conhecimento segundo a
matriz materialista desembocou num conhecimento idealista. A nova dignidade da Natureza mais se
consolidou quando se verificou que o desenvolvimento tecnológico desordenado
nos tinha separado da natureza em vez de nos unir a ela. Assim, o desconforto
da distinção sujeito/objeto que sempre houve nas Ciências sociais propagava-se
para as Ciências naturais. Nas palavras do sociólogo, o sujeito regressava na
veste do objeto.
Boaventura aponta a partir dos conceitos de mente
imanente, mente mais ampla e mente coletiva de Bateson que Deus (foragido da
Ciência moderna) pode regressar, mas de uma forma transfigurada, onde não há
nada de divino, senão o nosso desejo de harmonia e comunhão com tudo o que nos
rodeia. Segundo ele, um novo conhecimento (gnose) está em gestação. O sociólogo
justifica sua posição de que todo conhecimento é autoconhecimento afirmando que
“O objeto é a continuação do sujeito por outros meios.”
Para Boaventura, a ciência moderna não é a única
explicação possível da realidade e esta não é melhor que as explicações
alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou da poesia.
Ainda chama atenção para o privilégio de uma forma de conhecimento assente na previsão
e no controle dos fenômenos que segundo ele, nada tem de científico, é apenas um
juízo de valor e de que a explicação científica dos fenômenos opera como autojustificação
da Ciência enquanto fenômeno central da nossa contemporaneidade. Sendo assim,
afirma: a ciência é autobiográfica. As nossas trajetórias pessoais e coletivas
(os valores, as crenças e os prejuízos que transportam) são de certa forma a
prova íntima do nosso conhecimento. Este saber corre hoje subterraneamente,
clandestinamente nos não-ditos dos nossos trabalhos científicos.
Boaventura assegura que no paradigma emergente, o seu
caráter autobiográfico e auto-referenciável da ciência é plenamente assumido.
Relembra que a Ciência moderna deixou como legado um conhecimento funcional do
mundo que alargou extraordinariamente as nossas perspectivas de sobrevivência,
fazendo enxergar não tanto o sobreviver, mas o saber viver, pensando numa outra
forma de conhecimento (compreensivo e íntimo) que nos una pessoalmente ao que
estudamos.
Por fim, Boaventura pontua o fato da Ciência do paradigma
emergente ser mais contemplativa do que ativa e a qualidade do conhecimento
aferir-se muito mais pela satisfação pessoal que dá a quem adere e o partilha. No
que se refere a dimensão estética da ciência, pontua também que esta tem sido reconhecida
por cientistas e filósofos da ciência. Há também, na criação científica
no paradigma emergente, uma proximidade assumida, da criação literária ou
artística. Assim, o discurso científico se aproxima cada vez mais do discurso
da crítica literária subvertendo a relação sujeito/objeto que o modelo
emergente deseja operar. A ressubjetividade, o conhecimento científico ensina a
viver e traduz-se num saber prático, quarta característica da ciência
pós-moderna.