Estava eu, hoje, chegando na rua Carlos Gomes, na cidade de Salvador,
quando de repente passo por duas mulheres NEGRAS, de jeito simples e
cheias de criticidade sobre a vida. Foi inevitável não ouvir a conversa
entre elas. Uma contava para a outra: "eu perguntei a ele se era racismo
ou o quê esse negócio dele namorar apenas mulheres brancas... Pra mim é
racismo o cara ficar só com mulheres brancas..." A partir
da narrativa da mulher, percebi que a resposta do homem foi bem vazia e
sem desconfiança alguma sobre sua situação: "não é racismo não é que
gosto mais de namorar mulheres brancas...", enquanto que o
questionamento dela tinha no ar, cheiro de porquês e de desconfianças
sobre a situação masculina, e sobre a condição de muitas mulheres negras
do nosso Brasil. Mesmo sem ela entrar em detalhes, a indignação da
mulher me deu uma pista: o homem da narrativa, com certeza, é negro! Ao
ouvir esta conversa lembrei do que disse uma professora minha: "os
homens negros não foram ensinados a amar as mulheres negras". Tive
vontade de dizer isso para elas, mas concluí que não era preciso, pois
elas já sabem disso. Quando olhei para trás, elas atravessavam a rua e
seguiam para a Avenida Sete, certamente prontas e empoderadas para
enfrentar o racismo nosso de cada dia, que tenta nos negar até mesmo o
amor. Adoro quando vejo teoria crítica implícita na boca e na vida do
povo, que sabe o que sente.
Várias partes de mim
"Escrever é dar-se a conhecer." José Saramago
sexta-feira, 18 de setembro de 2015
sábado, 12 de setembro de 2015
Conceição
Certo dia, minha mãe me disse:
- Menina, você nasceu pra casar e gerar!
Certo dia, a religião me disse:
- Seu corpo está aí pra negar!
Certo dia, meu irmão mais velho me ordenou:
- Menina, saia daqui! Este não é seu lugar!
Certo dia, eu tive um homem que se apropriou de mim:
- Não vista esta roupa! Não use este batom!
- Você quer se parecer com uma puta?
Certo dia, o pastor me disse do púlpito:
- Sua roupa não é de moça decente, crente!
Certo dia, a igreja me expulsou porque
“pequei”, “desantifiquei”!
Certo dia, meu pai gritou:
- Preferia te ver morta que assim: grávida!
Queimei!
Todos os dias, o sistema me nega tudo.
E assim, recebo outros talhos.
Mas, mesmo entre olhares tortos,
não me resvalo.
Me ponho, em punho:
sou negra e mãe solteira!
quinta-feira, 19 de março de 2015
Todo conhecimento é autoconhecimento
SANTOS, Boaventura. Um discurso
sobre as ciências. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
Por Glauce Souza Santos
Resumo:
A terceira tese apresentada por
Boaventura de Sousa Santos no que se refere ao paradigma emergente na ciência é
a de que todo conhecimento é autoconhecimento. Boaventura inicia esta
discussão fazendo um retrospecto de como na Ciência moderna o
conhecimento objetivo foi a base para a construção da distinção dicotômica
SUJEITO/OBJETO. Afirma que a passividade da distinção SUJEITO/OBJETO nas Ciências
naturais gerou um atraso nas Ciências sociais. Por isso foi necessário que
houvesse uma articulação metodológica entre a distinção epistemológica entre sujeito/objeto com a distância empírica entre sujeito/objeto.
A Antropologia e a Sociologia evidenciaram isto. Na Antropologia a distinção
sujeito/objeto aceitou ou exigiu que a distância
fosse relativamente encurtada através
de metodologias que obrigavam uma maior intimidade com o objeto, trabalho de
campo etnográfico. Na Sociologia, a distinção epistemológica obrigou que esta distância fosse aumentada por meio de metodologias de distanciamento. As vibrações
destes movimentos vieram a explodir no período pós-estruturalista. Foram a
Antropologia e a Sociologia que questionaram o status quo (estado atual) motodológico e as noções de distância
social em que ele assentava. Nas Ciências sociais há o regresso do sujeito
demonstrado na física quântica, que o ato de conhecimento e o produto do
conhecimento eram inseparáveis. O aprofundamento do conhecimento segundo a
matriz materialista desembocou num conhecimento idealista. A nova dignidade da Natureza mais se
consolidou quando se verificou que o desenvolvimento tecnológico desordenado
nos tinha separado da natureza em vez de nos unir a ela. Assim, o desconforto
da distinção sujeito/objeto que sempre houve nas Ciências sociais propagava-se
para as Ciências naturais. Nas palavras do sociólogo, o sujeito regressava na
veste do objeto.
Boaventura aponta a partir dos conceitos de mente
imanente, mente mais ampla e mente coletiva de Bateson que Deus (foragido da
Ciência moderna) pode regressar, mas de uma forma transfigurada, onde não há
nada de divino, senão o nosso desejo de harmonia e comunhão com tudo o que nos
rodeia. Segundo ele, um novo conhecimento (gnose) está em gestação. O sociólogo
justifica sua posição de que todo conhecimento é autoconhecimento afirmando que
“O objeto é a continuação do sujeito por outros meios.”
Para Boaventura, a ciência moderna não é a única
explicação possível da realidade e esta não é melhor que as explicações
alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou da poesia.
Ainda chama atenção para o privilégio de uma forma de conhecimento assente na previsão
e no controle dos fenômenos que segundo ele, nada tem de científico, é apenas um
juízo de valor e de que a explicação científica dos fenômenos opera como autojustificação
da Ciência enquanto fenômeno central da nossa contemporaneidade. Sendo assim,
afirma: a ciência é autobiográfica. As nossas trajetórias pessoais e coletivas
(os valores, as crenças e os prejuízos que transportam) são de certa forma a
prova íntima do nosso conhecimento. Este saber corre hoje subterraneamente,
clandestinamente nos não-ditos dos nossos trabalhos científicos.
Boaventura assegura que no paradigma emergente, o seu
caráter autobiográfico e auto-referenciável da ciência é plenamente assumido.
Relembra que a Ciência moderna deixou como legado um conhecimento funcional do
mundo que alargou extraordinariamente as nossas perspectivas de sobrevivência,
fazendo enxergar não tanto o sobreviver, mas o saber viver, pensando numa outra
forma de conhecimento (compreensivo e íntimo) que nos una pessoalmente ao que
estudamos.
Por fim, Boaventura pontua o fato da Ciência do paradigma
emergente ser mais contemplativa do que ativa e a qualidade do conhecimento
aferir-se muito mais pela satisfação pessoal que dá a quem adere e o partilha. No
que se refere a dimensão estética da ciência, pontua também que esta tem sido reconhecida
por cientistas e filósofos da ciência. Há também, na criação científica
no paradigma emergente, uma proximidade assumida, da criação literária ou
artística. Assim, o discurso científico se aproxima cada vez mais do discurso
da crítica literária subvertendo a relação sujeito/objeto que o modelo
emergente deseja operar. A ressubjetividade, o conhecimento científico ensina a
viver e traduz-se num saber prático, quarta característica da ciência
pós-moderna.
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terça-feira, 3 de fevereiro de 2015
Cãofajeste
Por Glauce Souza
Dedico este texto à Adriana
Ichim
Hoje eu estava pensando sobre a
grande quantidade de cafajestes que existem no mundo e cheguei à conclusão que corre
um grande risco quem se relaciona com este tipo de homem. Por isso, imaginei a seguinte
sentença: nossa vida amorosa seria muito mais tranquila se cada cafajeste
andasse com uma plaquinha no pescoço, tais aquelas que encontramos nas casas
onde há cães perigosos. Para um cafajeste bastaria a seguinte frase: “Cuidado!
Cãofajeste”. Assim, tenho certeza que muitas pessoas manteriam mais distância desse
tipo de homem.
O título do meu texto não surgiu
à toa, pois, há muitas semelhanças entre um cão perigoso e um homem cafajeste. Uma
delas é o fato de ambos serem, na maioria das vezes, encantadores (em alguns
aspectos) e também perigosos. Assim, por uma vida mais feliz, vale à pena
darmos um pouco de atenção a essas semelhanças e entendermos que se alguém se
ama de verdade, deve nunca se apaixonar por um cafajeste! Muitas pessoas não
irão concordar comigo, afirmarão que se apaixonar por um “cafa” vale muito à
pena, apesar das lágrimas. Inclusive, já li até um texto, muito bem escrito,
sobre isso. A autora concluía seu texto agradecendo o fato dos cafajestes
existirem. Ainda não cheguei a esse nível, e sinceramente, não quero nem
chegar. O nível máximo que consigo alcançar é ser flexível a ponto de acreditar
que o melhor a fazer, quando conhecemos um “cafa” e nos relacionamos com ele, é
estabelecer uma relação idêntica àquela que eles estabelecem conosco. Acione o
botão da razão e responda: se um cafajeste nunca se apaixona, porque eu irei me
apaixonar por um deles? Em nome de uma vida sem decepções, há muito que fazer,
como aproveitar o “cafa” da mesma forma como eles tentam se aproveitar de nós. Se
assim desejar, coloque cada coisa em seu lugar, viva o momento e seja feliz.
Aliás, o carpe diem é uma das
melhores marcas de um cafajeste, se aproprie também do termo! Aproveite o seu corpo
disponível, o bom papo, a sua cortesia, aprenda com sua inteligência e
simplicidade, usufrua da sua poesia, música, pintura (muitos deles são
talentosos), deguste seus pratos maravilhosos e o vinho que certamente irá te
oferecer. Faça tudo isso, mas não esqueça que você está diante de um CAFAJESTE.
Se fizer diferente, você correrá grandes riscos de sofrimento. Do sexo ao
vinho, tudo isso pode ser muito bom.
Outro dia descobri mais uma
característica dos cafajestes de plantão: todos eles desejam se tornar um deus,
do sexo. Por armazenar muita cafajestagem em seu DNA, conseguem conquistar, sem
muito esforço, vários adoradores. São alternativos, educados e sensíveis. Quem tem
coragem de administrar uma empreitada dessas? Deus me livre!!!
Apesar de tudo, tenho medo dos cafajestes,
e à medida que posso, mantenho certa distância deles, pois assim como o cão
bravo, se você vacilar eles te arrancam um pedaço.
quinta-feira, 29 de janeiro de 2015
Vítimas de ontem, vítimas de hoje
Hoje ao ligar a TV vi que um incêndio havia acontecido em determinado lugar em Salvador, o jornal que dava a notícia estava terminando, logo desconfiei de que as vítimas mais uma vez eram aquelas pessoas de sempre, os menos favorecidos... Era meio dia quando fui ver a notícia na integra, e vi que minha desconfiança já não era desconfiança, tornara-se certeza! O incêndio havia destruído palafitas de Alagados em Salvador, o fogo começou as 00:30 e e as chamas foram debeladas as 04:40. Muitas pessoas, agora, estão desoladas! Muitas delas sofrem com a longa espera pela casa prometida por programas dos governos. Chorei ao ver a reportagem e imediatamente me lembrei desse clipe gravado no final da década de 80 que retrata a vida desse povo sugado. Vejam como, infelizmente, o vídeo clip é atual, isso porque a injustiça social é sempre atual! "Todo ano isso ocorre. É sempre o mesmo corre-corre
Todo ano a hipocrisia/Faz parte dessa agonia/Demagogos, oportunistas
Vejam as vítimas/De toda a inoperância/Da brutal ganância(...)"
Embora ninguém tenha morrido, fiquei muito triste com a notícia, pois muitas famílias ficaram desoladas.
"Nasci no fim do mundo
Vivo no fim do mundo
Aqui nesse fim de mundo
Vivo como um condenado
Pois nada sobrou pra mim
Vivo no fim do mundo
Aqui nesse fim de mundo
Vivo como um condenado
Pois nada sobrou pra mim
Quando as casas caem
Sinto-me triste demais
(...)"
Sinto-me triste demais
(...)"
Ah... Salvador "Bela cidade...", lamento a injustiça estampada em ti!
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domingo, 14 de dezembro de 2014
Aprovação no mestrado
É... aprendi que não basta sonhar. Tem que sonhar, ter fé, força e foco. E só temos isso quando sonhamos juntos com aqueles que nos amam, nossos amigos e nossa família. São eles que ativam nossas forças para a realização de qualquer sonho. E é encarnado neles que Deus se revela no dia a dia. É da boca dessas pessoas que ouço sair a voz de Deus me aconselhando, me orientando e me fazendo amadurecer para enfrentar a vida com os seus resultados. Foi assim que aconteceu desta vez. Estou muito feliz pela aprovação no mestrado de Literatura e Cultura da UFBA. Esta aprovação tem em si significados diversos porque sou de família humilde, sou nordestina, sou negra e sou mulher. Foram estes mesmos fatores - que dentro de um sistema opressor, a todo momento me negam aquilo que desejo - que me moveram ao esforço e dedicação, para buscar o que mais quero, mudar a minha realidade e consequentemente a da minha família. Este é apenas o começo. Agradeço à Deus, à cada amigo e amiga e aos meus familiares que me acompanharam em todo este processo e que desejaram que o melhor acontecesse!
Tirei esta foto em 2011 e naquela ocasião eu tinha certeza que utilizaria ela neste texto.
Felicidade
"A conquista da felicidade se dá dentro de cada um de nós e na confluência do encontro com Deus" (que ocorre de inumeras formas). Sendo assim, a felicidade é uma esfera da vivência humana. À luz do que Jesus ensinou é por meio dela que resgatamos em nós o mais profundo significado do ser humano. Porque a felicidade oferecida por Jesus se dá numa experiência de vida que não se finda no materialismo, antes, transcende as circunstâncias externas. Deste modo, vale lembrar que o dinheiro, os bens materiais, o reconhecimento, o prestígio, o poder e a fama, não tem nada a ver com a felicidade. Porque ela, fundamentada na fé ensinada por Jesus (de carater relacional e racional, ortodoxo e pratico, confessional e ético) nada pode corroer e ninguém pode roubar. (Minhas reflexões a partir de Ser é o bastante de Carlos Queiroz)
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