Somente depois de quase
dez anos de lançamento do filme “Deus é brasileiro”, dirigido por Cacá Diegues, resolvi dedicar quase duas
horas de uma tarde de domingo para apreciar esta obra cinematográfica de título
tão atraente. Há quase dez anos atrás, talvez meus julgamentos prévios,
conceitos sobre Deus e a forma como me relacionava com Ele, me fizeram podar o
interesse em conhecer a obra.
Nesta comédia, Deus, fatigado
da desordem do mundo, resolve tirar umas férias, andar de bobeira pela galáxia
como fazia há tempos atrás. Para isso, procura um substituto temporário, fora
dos padrões religiosos, diga-se se passagem. Nesta aventura o Criador
encontra-se com uma espécie de guia turístico, um tal Taoca,
atrapalhado pescador que a todo momento desafia o Todo-poderoso a fazer milagres. Para Deus, fazer milagre é coisa muito trabalhosa, por isso, evita na maioria das vezes. Taoca
também aproveita o encontro para tirar dúvidas e expor suas opiniões teológicas.
E por falar em assuntos
teológicos, pude perceber que o filme desenha um caminho antagônico àquele
proposto pelo movimento que a cada dia ganha terreno em nosso país, a chamada
Teologia da Prosperidade. Talvez os defensores desta Teologia considerem este
filme muito prejudicial aos seus discursos. Primeiro, porque para eles, pensar
em um Deus que se cansa é dar um tiro no próprio pé. Segundo, porque enxergar o
milagre como algo que Deus não gosta muito de fazer é o mesmo que retirar a
mola propulsora de sua engrenagem. Neste movimento, Deus é nada mais nada menos
que o refém do homem.
O filme trata de
questões relacionais entre o ser humano e o ser divino. Por isso, a música Anjos caídos, do grupo Cordel do
fogo encantado se encaixa tão bem ao enredo do filme. Uma das cenas digna
de destaque é aquela em que o Criador ao ouvir esta música explica: “Eles estão dizendo que os seres humanos são os anjos
caídos que Deus mandou cá pra Terra de castigo por terem botado defeito na
criação do mundo. Aqui eles aprenderam com os bichos a ter filhos, viraram
muitos, começaram a inventar casa, rua, cidade, país e um monte de máquina. Era
pra imitar Deus ou mexer em tudo que ele tinha inventado. No início Deus ficou
danado da vida, mas, depois acabou foi amolecendo o coração com o dengo dos
anjos caídos e com o jeito errado deles fazerem as coisas, surpreendentes, fora
de controle, diferentes do resto”.
Confesso que depois de
ouvir da boca do Altíssimo uma explicação como esta, vê-lo andar de mochila nas
costas, caminhar com gente “errada”, viajar em um caminhão roubado e de pau de
arara pelo sertão nordestino, ficou muito mais difícil pensar que Deus está apenas revestido
de poder e assentado num sofisticado trono de glória.