Marina Colasanti
Fábulas da Mulher Moderna, assim estava escrito, há algumas semanas, no alto de uma estante promocional estrategicamente posicionada para receber os frequentadores logo `a entrada da livraria Barnes & Noble, na 7º avenida, em Nova Iorque. E eu, mulher moderna que acabava de cruzar o umbral, senti-me convocada e parei para ver o que, da minha espécie, se contava.
Slave of fashion (escrava da moda) era um dos títulos, assinado por Rebecca Campbell. Good in bed (Boa de cama) era outro, de Jennifer Weiner. E ainda, The accidental virgin ( Virgem acidental), Filthy rich ( Terrivelmente rica), The dictionary of failed relationships, 26 tales of love gone wrong ( Dicionário das relações fracassadas, 26 histórias de amor que não deu certo), I do but I dont’ ( Eu faço mas não faço), The dominant blonde ( A loura dominadora) . A estante, que se pretendia tentadora, oferecia ao todo 36 livros do mesmo teor.
E o que diziam eles ? Autora de destaque na área, Marian Keyes aparecia com vários títulos. No último , Last chance saloon (A última chance), conforme li na contra-capa, conta-se a história de três amigas que, vindas de uma pequena cidade para a metrópole, não conseguem vida amorosa. E será certamente apreciado, dizia ainda a contra-capa, pelas leitoras que se deleitaram com a obra anterior, Sushi for beginners ( Sushi para principiantes) todo ambientado no mundo da moda. A busca infrutifera do amor era tema também da história de uma organizadora de casamentos, que não consegue casar. E um terceiro , que trazia na capa a foto de uma mulher sentada , com a cabeça inteiramente metida dentro de um saco de papel pardo, sugeria já no título -Why girls are weird - explicar porque as mulheres são estrambólicas ou, no mínimo, esquisitas.
Todos prometiam “muita diversão”, eram “engraçados” ou “engraçadíssimos”, as leitoras, que “nunca haviam rido tanto”, iam seguramente “morrer de rir”.
Ninguém nos prometia gargalhadas quando, nas décadas de 70 e 80 , procurávamos nas livrarias os títulos que continham a modernidade do feminino. Não esperávamos que Simone de Beauvoir fosse hilária, nem que Kate Millet , Gloria Steinem ou Shulamith Firestone nos fizessem rolar no tapete de tanto rir. E a sexualidade, vista por Luce Irigaray, certamente não tinha a mesma angulação cômica escolhida por uma Jennifer Weiner. Estávamos, naqueles anos, descobrindo uma nova maneira de ser mulher ou, como disse Simone, estávamos nos fazendo mulheres.
E a nova maneira de ser mulher era, então, sair daquele mundo lacrado ao qual havíamos estado confinadas, para conquistar o espaço maior do coletivo. Era pensar o feminino em termos sociais. E entrar nas livrarias e buscar a seção “Mulher” equivalia a encontrar um entusiasmante encontro marcado de antropologia, sociologia, história, psicologia. O feminino parecia um continente novo onde tudo ainda estava por descobrir.
Agora nos deleitamos com o diário de Bridget Jones multiplicado em infinitas variantes - havia uma inclusive naquela tal estante, mas atualizada, com diário on line. E trocamos os amplos espaços recém possuidos, pelo limitado espaço do ego. Um ego mais moderno, é verdade, porque aberto `a visitação pública. As seções “Mulher” nem existem mais nas livrarias. Foram substituídas por “Estudos de Gênero”, em que as mulheres aparecem mais vinculadas a homossexualismo do que a qualquer outra coisa. E as mulheres foram transferidas para a seção “Comportamento”, uma vaga mistura de auto-ajuda e aconselhamento amoroso.
A palavra de ordem que era Refletir, foi trocada. A que vigora é Divertir-se. E, se antes refletíamos sobre nossa condição, agora rimos dela.
Estamos achando cômica a busca feminina do amor, como se o amor fosse um resíduo ridiculamente romântico a ser descartado com a modernidade. Sentamos para nos divertir diante de Sex and the city, sem que ecoem em nossos ouvidos as palavras de Octavio Paz:” ...acho que o amor tornou-se uma abstração...A alma tornou-se um departamento do sexo, e o sexo tornou-se um departamento da política. Se a nossa sociedade vai se recuperar, temos que recuperar a idéia de amor (...) essa é a coisa mais importante. Se não encontrarmos isso, a vida será um deserto.”
Rir é muito bom. Rir de si mesmo pode ser extremamente saudável, uma demonstração de senso crítico. E é claro que as mulheres não estão sozinhas nessa grande gargalhada. Ainda em Nova Iorque, fui assistir Grande jornada do dia noite adentro, e a platéia ria. Nessa, que é a peça mais dramática de O’Neill, o público aproveitava qualquer mínima oportunidade para gargalhar. Não é isso o que nos ensinam as sitcom e os programas de auditório pontuados por gargalhadas de encomenda?
Rir, porém, pode ser também uma forma de manter-se fora das situações, evitar o envolvimento. É quando o riso se aproxima do cinismo, e se substitui à ação: se estou rindo estou criticando, e se estou criticando já basta.
Não vamos rir para sempre, não há maxilar que aguente. Nosso riso atual é provavelmente apenas um pit-stop histórico entre uma reflexão e outra, uma e outra luta crítica em busca de melhoria. Estamos, como estão os jovens na night, em trânsito. Mas ainda assim, certos corações sangram quando comparam uma Claire Bretecher, que com seus Les Frustrés - publicados no Le Nouvel Observateur- nos fazia rir do pensamento das mulheres, a uma Maitena que faz rir repetindo velhos clichês sobre o seu não-pensamento.
Fonte: COLASANTI, Marina. Rir pode não ser o melhor remédio. In: Fragatas para Terras Distantes. Rio de Janeiro: Record 2004. p. 191-194
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