sexta-feira, 16 de maio de 2014

Sobre corpo, velhice e morte


Hoje, presenciei uma cena que me fez refletir muito sobre a velhice, sobre a morte e sobre o nosso corpo no mundo. 
Tudo começou quando vi, no posto de saúde, um idoso, aparentando ter mais de 80 anos de idade, caminhando lentamente, cabisbaixo. Seus pés quase não saiam do chão e eram, literalmente, arrastados pelo fraco e lento comando que o seu cérebro ainda consegue enviar às suas fracas pernas. O octogenário debilitado que via ali, tinha as mãos trêmulas e para sair de um lugar à outro precisava do amparo de um homem, provavelmente seu filho, que suspirava ao ajudá-lo. Quem assistia aquela cena, acabava se cansando com o cansaço do suposto filho do idoso. Uma bolsa cheia de urina acompanhava o velho e aquele que o ajudava, compondo um cenário triste, realista e cansativo de se ver. Fiquei analisando o sofrimento daquele corpo e imediatamente lembrei-me do escritor Rubem Alves que é incisivo ao falar sobre a velhice. Ele defende o respeito ao corpo cansado que já não quer viver e nos faz refletir: por qual vida estamos lutando quando insistimos, para que um corpo, que já não suporta a dor, fique entre nós? A cena de hoje revelou-me o que Rubem Alves já tinha me falado: a melhor idade é de fato a pior idade, pois, é a idade da acentuação das dores, do cansaço, da dependência. As crônicas de Rubem Alves que falam sobre a velhice possuem um tom de brincadeira. Acho que esta é uma das formas que o escritor encontrou para aliviar as dores físicas e emocionais que apareceram em sua vida com a chegada da velhice. Convivo com os meus pais que já têm 60 anos de idade e vejo cotidianamente a acentuação destas dores. Também fazemos piadas e damos nossas risadas, mas isto não impede que a realidade salte aos nossos olhos. Os seus corpos, mais do que nunca, necessitam de cuidado. Por isso, cotidianamente, faço o papel de uma espiã da alimentação, para tentar distanciar as dores que certamente aparecerão. Isso poderá me isentar da futura protagonização da cena de uma filha cansada.
Hoje, ao ver o velho debilitado me lembrei das minhas avós. Primeiro lembrei-me da paterna que não sofreu por muito tempo (graças a Deus!) depois de ter um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Certamente, ela, que tinha também o coração muito doente, não suportaria “viver” durante anos em cima de uma cama dependendo de outras pessoas para realizar suas atividades mais básicas. Também não suportaria ser amparada pelos braços como uma criança que não sabe caminhar. Logo depois, me lembrei da minha avó materna, que tinha os ossos fracos, sofreu durante anos dores horríveis por ter fraturado o fêmur. A velha gritava o dia todo, e pedia para que Deus a levasse. Eu não compreendia o seu desejo de morrer... Tenho um grande amigo que corajosamente assume que quer morrer jovem. Sempre o repreendi e considerei o seu desejo um absurdo, uma afronta, diante da sua beleza e vida que expressa tão bem. Mas, a cena de hoje me trouxe um consolo sobre o destino da minha avó paterna e me fez compreender os gritos da minha avó materna e o desejo do meu amigo. O corpo da minha avó paterna não suportou a dor, por isso se foi. A materna entendia que o corpo dela tinha um limite, queria apenas que isso fosse respeitado, conseguiu. O meu amigo deseja morrer jovem, simplesmente porque tem medo da velhice de pernas bambas e sem prazer. 

Um comentário:

  1. Que texto... me levou a reflexão...muito bom mesmo. Parabéns mais uma vez Gal. Saudades de você.
    o amigo Joilton

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