sábado, 19 de abril de 2014

A Teoria da Literatura no Brasil e algumas questões contemporâneas

Traçar o panorama histórico da teoria literária no Brasil, talvez seja a melhor forma para entender as influências recebidas e as suas nuances na contemporaneidade.
            Inicialmente, a teoria da literatura servia às leituras de textos com seus métodos e técnicas. Aos poucos tornou-se objeto privilegiado de exame e abriu espaços para a reflexão. Ela marcou sua presença no interior de outros saberes da história, sua compreensão exigia uma dinâmica relação com outros discursos como a filosofia, a linguística, a antropologia, a sociologia, a psicanálise e a semiologia. Na década de 60, por ganhar espaço no currículo de Letras de todo o país e por iniciar nova reflexão crítica sobre a literatura, a disciplina se destaca entre as outras das ciências humanas.
            É nos anos 70, com a abertura dos cursos de pós graduação, no Brasil, que a interdisciplinariedade recebe grande incentivo por parte do estruturalismo. Assim, a teoria literária estreita a sua relação com antropologia, a psicanálise e a semiologia. Nesta época, se desenvolve os estudos de interpretação dos discursos mítico, onírico e literário, e de textos marginalizados pela literatura oficial.   Ao ser considerada ciência da literatura, a teoria literária se encarrega de demonstrar as leis e processos que regem o texto literário. Com influência das correntes de crítica do século XX, formula e elabora métodos, categorias e conceitos próprios. O reflexo dessas transformações resulta no repúdio da abordagem historicista e a defesa de categorias universais com base em critérios de ordem estética.
            À medida que os discursos das ciências humanas ganhavam mais espaço no interior dos cursos de Letras, mais obrigava os estudos literários a renovar sua teoria e a participar das transformações realizadas nas outras áreas. Assim, os cursos de literatura brasileira se inclinavam para certo tipo de abordagem que privilegiava a análise das formas narrativas contemporâneas, as manifestações de vanguarda, ou a literatura de textos fundadores da literatura brasileira, visando a constituição de uma nova historiografia literária.
            Vale ressaltar a grande contribuição que a antropologia deu à teoria da literatura. Essa ciência ao descentrar o eixo dos valores etnocêntricos, propiciou a quebra de hierarquia dos discursos e aguçou o interesse pela valorização de textos considerados marginais pela cultura oficial.  Os Estudos Culturais, na década de 1950, desenvolvido por teóricos ingleses, defendia o valor da cultura popular frente à nova cultura de massa e as manifestações literárias que não estivessem voltadas somente para as elites. Conhecida como crítica cultural, estes estudos chegam ao Brasil depois da ditadura militar. É nesta época que as teorias são revitalizadas pelos interesses por novos conceitos, como os de pós-colonialismo, pós modernismo, pós-estruturalismo, e com o advento dos discursos das minorias.
            A estudiosa Eneida Maria de Souza em entrevista concedida em 2007 à Helton Gonçalves de Souza e Martha Lourenço Vieira ressalta o engajamento de muitos em defesa da literatura. Segundo ela, estes defensores alegam que a literatura está sendo negligenciada pelos Estudos Culturais. Eneida considera essa discussão sem contribuição, para ela, a crítica literária sempre se preocupou com a cultura. Por isso, ressalta que hoje é impossível ler e analisar um texto sem que este ultrapasse as fronteiras literárias e se projete para outros campos.
Assim, é possível afirmar que a crítica literária, dos dias atuais, não se restringe a um público específico, mas volta o seu olhar para as transformações culturais e políticas do mundo, daí a aparente crise enfrentada pela teoria literária.
Em sua obra Tempo de pós crítica (2012) assume a posição de que a obra literária não deve se restringir a parâmetros centrados na ruptura ou no endosso de determinados modelos sociais. Segundo ela, a marca autoral no texto analítico funciona como uma das conquistas mais recentes do discurso crítico das ciências humanas, entendendo-se que o sujeito volta à cena no discurso de forma ainda esvaziada e fraturada. A reflexão de Eneida desvincula da dimensão universalista e generalizante, o estatuto do sujeito, da autoria, da escrita e da linguagem.
Eneida não é saudosista nem mesmo fecha as portas para o futuro, apenas admite corajosamente que “(...) a valorização de um passado sem brechas ou rasuras complica e falseia a lembrança, com vistas a reter apenas o que a memória soube guardar de bom” (SOUZA, 2012, p. 74). Assim, a estudiosa demonstra entusiasmo diante das mudanças que se refletem no pensamento crítico atual. Para ela, reconhecer as limitações teóricas e procurar ultrapassá-las seria o primeiro passo para que não seja destruído um projeto, nem tão utópico, de construção de um pensamento crítico entre nós.
            Embora entenda a prática teórica como uma forma de intervenção do intelectual, Eneida admite ter a sensação de estarmos divididos entre um pensamento teórico capaz de entender os complexos acontecimentos da contemporaneidade e a posição assumida pela classe intelectual universitária, voltada para a prática selvagem de modelos tradicionais. Muitos desses intelectuais reforçam, por exemplo, os preconceitos ligados aos Estudos Culturais, por considerarem que estes promovem o esvaziamento da noção de cultura, indissociável do conceito de identidade nacional.


SOUZA, Eneida Maria de. Tempo de pós-crítica: ensaios / 2 ed. – Belo Horizonte: Veredas e Cenários, 2012. 


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