Para Maria Luiza Carôso
(Obrigada pela indicação do filme!)
Geralmente,
para se livrar do tédio gerado por dias ociosos, como o feriado do dia 21 de
abril – sem muito que fazer -, assisto a algum filme. Mas não é um filme
qualquer e sim um daqueles inúmeros que estão numa imensa lista pessoal,
esperando o seu momento.
Acredito que cada pessoa tem a sua
lista cânone1 de filmes e
livros que pretende ler antes de morrer. Certamente, quando a morte chegar as
tais listas ainda estarão à todo vapor, pois, pelo menos as minhas, não param de
crescer. O principal motivo que faz minha relação de livros crescer com
frequência é o fato de não ter dinheiro para adquirir as obras que mais desejo ler. No Brasil, os livros ainda
são muito caros. Outro motivo é a falta de tempo para se dedicar à leitura. Já
a minha lista de filmes, cresce ininterruptamente porque moro numa cidade que
não tem sequer um cinema. Como uma cidade
pode ter quatro cinemas na década de 70 e hoje não ter nenhum? Isso é, no mínimo, estranho.
“A única coisa que vai pra frente em Jequié é o atraso” sentencia um tio meu
que mora longe daqui, mas entende da política, da economia e da cultura desta
terra quente de meu Deus. Mas isso aí é conversa para outro momento.
Voltemos ao feriado. Neste dia, escolhi
um filme nacional do ano de 2007, intitulado “O cheiro do ralo”. O longa-metragem é baseado
no romance homônimo de Lourenço Mutarelli. Acessei o you
tube para assistir ao filme e pretendo descrevê-lo de forma sincera e clara.
Inicialmente, penso em um adjetivo para atribuir a ele e concluo que posso fazer
uso do mesmo adjetivo que usei para a situação do cinema na cidade de Jequié,
estranho. O filme é estranho comparado com o padrão aprovado pelas pessoas, na
maioria das vezes. Coisa rara é encontrar gente que goste de filmes sem ação e sem
besteirol. O cheiro do ralo é assim,
parado, irônico e possui uma atmosfera existencial, não tem cenas de ação e não
tem besteirol. O longa é ambientado na
grande São Paulo, provavelmente, da década de 70 e o personagem principal é
Lourenço (interpretado por Selton Melo), um homem que compra e vende objetos
usados, na maioria das vezes de grande valor sentimental, que para ele não
significa nada. Lourenço compra os objetos apenas quando julga conveniente ou
quando se agrada da cara da pessoa que está vendendo. Seus critérios,
definitivamente, não dialogam com a necessidade das pessoas. Ele é esquisito
e desprovido de qualquer tipo de afeto ou solidariedade humanista para com o
seu semelhante. Seu dia a dia é marcado
pela falta de misericórdia e pelo embrutecimento humano, demonstrando sempre
seu poder aquisitivo e como um algoz debochando friamente da miséria alheia.
Lourenço custa a entender que também está num estado de miséria profundo. Por
isso, insiste em explicar aos seus miseráveis vendedores que o cheiro incomodativo
em sua sala é do ralo do banheiro que usa. Lourenço não consegue resolver o
problema do mau cheiro, mas sente-se intensamente dependente e atraído por ele, pois o odor é unicamente dele. Mas o
cheiro que mais incomoda Lourenço, é o dos traumas que talvez nunca quisesse
resolver. Quiçá, ele seja a melhor representação do homem-bicho que já vi no
cinema brasileiro. E se aproxima do homem confundido com um bicho descrito no poema “O bicho” de Manuel Bandeira. Ambos apresentam os mesmos motivos que os levam, respectivamente, ao cheiro do
ralo e ao lixo. Há apenas um grande
desejo na vida de Lourenço que o leva todos os dias a uma lanchonete, um dia comprar a bunda da moça que trabalha lá.
Mesmo não tendo besteirol algum, o
filme nos arranca risadas. Algumas cenas nos faz rir um riso consciente de que
a condição humana pervertida pelo capitalismo selvagem - que nos leva à compra
e venda da nossa própria alma - seria cômica se não fosse trágica, como o
próprio desfecho do filme.
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