Hoje,
presenciei uma cena que me fez refletir muito sobre a velhice, sobre a morte e
sobre o nosso corpo no mundo.
Tudo começou quando vi, no posto de saúde, um
idoso, aparentando ter mais de 80 anos de idade, caminhando lentamente,
cabisbaixo. Seus pés quase não saiam do chão e eram, literalmente, arrastados
pelo fraco e lento comando que o seu cérebro ainda consegue enviar às suas fracas pernas. O octogenário debilitado que via ali, tinha as mãos trêmulas e para sair de um
lugar à outro precisava do amparo de um homem, provavelmente seu filho, que suspirava ao
ajudá-lo. Quem assistia aquela cena, acabava se cansando com o cansaço do
suposto filho do idoso. Uma bolsa cheia de urina acompanhava o velho e aquele
que o ajudava, compondo um cenário triste, realista e cansativo de se ver. Fiquei analisando o sofrimento daquele corpo e imediatamente lembrei-me do escritor Rubem Alves que é incisivo ao falar sobre
a velhice. Ele defende o respeito ao corpo cansado que já não quer viver e nos
faz refletir: por qual vida estamos lutando quando insistimos, para que um
corpo, que já não suporta a dor, fique entre nós? A cena de hoje revelou-me o
que Rubem Alves já tinha me falado: a melhor idade é de fato a pior idade,
pois, é a idade da acentuação das dores, do cansaço, da dependência. As
crônicas de Rubem Alves que falam sobre a velhice possuem um tom de brincadeira.
Acho que esta é uma das formas que o escritor encontrou para aliviar as dores
físicas e emocionais que apareceram em sua vida com a chegada da velhice. Convivo
com os meus pais que já têm 60 anos de idade e vejo cotidianamente a acentuação
destas dores. Também fazemos piadas e damos nossas risadas, mas isto não impede
que a realidade salte aos nossos olhos. Os seus corpos, mais do que nunca,
necessitam de cuidado. Por isso, cotidianamente, faço o papel de uma espiã da
alimentação, para tentar distanciar as dores que certamente aparecerão. Isso
poderá me isentar da futura protagonização da cena de uma filha cansada.
Hoje, ao
ver o velho debilitado me lembrei das minhas avós. Primeiro lembrei-me da
paterna que não sofreu por muito tempo (graças a Deus!) depois de ter um Acidente
Vascular Cerebral (AVC). Certamente, ela, que tinha também o coração muito doente,
não suportaria “viver” durante anos em cima de uma cama dependendo de outras
pessoas para realizar suas atividades mais básicas. Também não suportaria ser
amparada pelos braços como uma criança que não sabe caminhar. Logo depois, me lembrei
da minha avó materna, que tinha os ossos fracos, sofreu durante anos dores
horríveis por ter fraturado o fêmur. A velha gritava o dia todo, e pedia para que
Deus a levasse. Eu não compreendia o seu desejo de morrer... Tenho um grande
amigo que corajosamente assume que quer morrer jovem. Sempre o repreendi e considerei
o seu desejo um absurdo, uma afronta, diante da sua beleza e vida que expressa
tão bem. Mas, a cena de hoje me trouxe um consolo sobre o destino da minha avó
paterna e me fez compreender os gritos da minha avó materna e o desejo do meu
amigo. O corpo da minha avó paterna não suportou a dor, por isso se foi. A
materna entendia que o corpo dela tinha um limite, queria apenas que isso fosse
respeitado, conseguiu. O meu amigo deseja morrer jovem, simplesmente porque tem medo da velhice
de pernas bambas e sem prazer.