BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte
e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
Glauce Souza Santos
Walter Benjamin inicia o seu texto O narrador – considerações sobre a obra de Nikolai Leskov, com a seguinte assertiva em relação à presença do narrador e sua distância entre nós: “(...) por mais familiar que seja seu nome, o narrador não está de fato, presente entre nós, em sua atualidade viva, ele é algo distante e que se distancia ainda mais (...)”.
Benjamin identifica em Leskov, escritor russo, os traços grandes e simples que caracterizam o narrador. Mas, segundo ele, descrever este escritor como tal não significa aproximá-lo de nós, e sim, aumentar a distância que nos separa dele. Pois, o que nos impõe a exigência dessa distância e desse ângulo de observação é uma experiência quase cotidiana de que a arte de narrar está em extinção. Para ele, as pessoas que sabem narrar devidamente são cada vez mais raras e isto se explica pelo fato de que as ações da experiência estão em baixa.
O autor defende a ideia de que entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se diferenciam das histórias orais. Assim, divide a figura do narrador entre dois grupos: o que vem de longe e o que não sai do seu país. Segundo ele, se o desejo é concretizar esses dois grupos por meio dos seus representantes arcaicos, os exemplos são: o camponês sedentário e o marinheiro comerciante. Estes dois estilos são os que de certo modo produziram suas respectivas famílias de narradores. Mas, foram os artífices que aperfeiçoaram a arte de narrar dos camponeses e marujos e, no sistema corporativo o saber das terras distantes se associava com o saber do passado.
Em relação a isto, Benjamin aponta que Nikolai Leskov está à vontade tanto na distância espacial como na distância temporal. Exercendo a função de agente russo de uma firma inglesa, as viagens pela Rússia trouxeram um enriquecimento à sua experiência do mundo e aos seus conhecimentos sobre as condições russas.
O senso prático é mais uma das características, de muitos narradores natos, apontada por Benjamin. Segundo ele, a verdadeira narrativa tem sempre em si, uma dimensão utilitária e essa utilidade pode incidir em um ensinamento moral, uma sugestão prática, um provérbio ou uma norma de vida. Ou seja, o narrador é um homem que sabe dar conselhos. Logo, o autor afirma “(...) se dar conselhos parece hoje algo antiquado, é porque as experiências estão deixando de ser comunicáveis” e explica porque a arte de narrar está definhando: “(...) porque a sabedoria (...) está em extinção”.
Benjamin admite que a narrativa passa por um processo de modificação com a evolução secular das forças produtivas. Segundo ele, o surgimento do romance no início do período moderno é o primeiro indício da evolução que vai culminar na morte da narrativa. A vinculação do romance ao livro o separa da narrativa. Além disso, afirma que no romance o indivíduo é isolado, não pode mais falar exemplarmente sobre suas preocupações mais importantes e não recebe conselhos nem sabe dá-los, como por exemplo, em Dom Quixote. Esta obra é considerada por ele como o primeiro grande livro do gênero, onde mostra como são totalmente refratárias ao conselho e não contem a menos centelha de sabedoria, a grandeza de alma, a coragem e a generosidade de um dos mais nobres heróis da literatura.
Walter Benjamin assegura que com o florescimento do romance, a narrativa começou pouco a pouco a tornar-se arcaica e com a consolidação da burguesia destacou-se uma forma de comunicação, que nunca havia influenciado decisivamente a forma épica e que é tão estranha à narrativa como o romance, a informação. O autor responsabiliza a informação como ponto principal para o declínio da arte narrativa. Ainda enfatiza que quase tudo está a serviço da informação e quase nada está a serviço da narrativa. Metade da arte narrativa está em evitar explicações e nisso Leskov é magistral, afirma o autor. Na narrativa o leitor é livre para interpretar a história como quiser, assim, o episódio narrado atinge uma amplitude que não existe na informação. A narrativa, diferente da informação que só tem valor no momento em que é nova, não se entrega, conserva suas forças e depois de muito tempo ainda é capaz de se desenvolver.
Para Benjamin, nada facilita mais a memorização das narrativas que aquela sóbria concisão que as salva da análise psicológica. Segundo ele, quanto maior a naturalidade com que o narrador renuncia às sutilezas psicológicas, mais facilmente a história se gravará na memória do ouvinte.
Segundo Benjamin, a narrativa, que durante tanto tempo floresceu num meio de artesão, é ela própria, uma forma artesanal de comunicação. E ela não está interessada em transmitir o “puro em si” da coisa narrada como uma informação ou um relatório e sim, mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele, imprimindo-se na narrativa a marca do narrador. O próprio Leskov considerava essa arte artesanal – a narrativa - como um ofício manual. “A literatura não é para mim uma arte, mas um trabalho manual”, afirmou ele.
O autor afirma que cada vez que se pretende estudar uma certa forma épica é necessário investigar a relação entre essa forma e a historiografia. Por isso, comenta sobre a ideia da historiografia como zona de indiferenciação criadora, com relação as formas épicas.
Benjamin discorre sobre a relação entre ouvinte e narrador e afirma que não se percebeu devidamente até agora que a relação ingênua entre o ouvinte e o narrador é dominada pelo interesse em conservar o que foi narrado. Ainda apresenta uma distinção entre romance e narrativa, afirmando que “O sentido da vida” e “A moral da história” são duas palavras de ordem que distinguem entre si o romance e a narrativa, permitindo-nos compreender o estatuto histórico completamente diferente de uma e outra forma.
Outra característica apontada no texto é de que o grande narrador tem suas raízes no povo, principalmente nas camadas artesanais. Assim, o autor cita a consideração feita por Gorki: “Leskov é o escritor...mais profundamente enraizado no povo, e o mais inteiramente livre de influências estrangeiras”. Ao afirmar que o primeiro narrador é o de conto de fadas, Benjamin, classifica Leskov como um dos poucos narradores que tiveram uma afinidade tão profunda pelo espírito do conto de fadas.
O teórico comenta que para Leskov, o mundo das criaturas se exprime menos através da voz humana que através do que ele chama: ¨a voz da natureza¨. Assim, exemplifica por meio do seu personagem central, um pequeno funcionário, Filip Filipovich, que usa de todos os meios para hospedar em sua casa um marechal de campo que passa por sua cidade. Nessa narrativa ¨ a voz da natureza ¨, é a voz da experiência da narração, onde um fato ocorrido no passado é lembrado naturalmente.
Para Benjamin, quanto mais baixo Leskov desce na hierarquia das criaturas, mais sua concepção das coisas se aproxima do misticismo, característica própria da natureza do narrador. Não há muitas obras na narrativa recente, nas quais a voz do narrador anônimo, anterior a qualquer escrita, ressoe de modo tão audível como na história de Lesvok, A alexandrita.
Finalmente o autor conclui o texto apresentando a atmosfera que circunda o narrador em Leskov. Benjamin afirma que o narrador figura entre os mestres e os sábios, é o homem que poderia deixar luz tênue de sua narração consumir completamente a mecha de sua vida e, além disso, é a figura na qual o justo se encontra consigo mesmo.
Oi Glauce, tudo bem?
ResponderExcluirVi no seu último post que vc entrou no mestrado na UFBA. Parabéns!
Vou prestar a prova do mestrado em letras agora em fevereiro na Unifesp. Por acaso você vc possui, ou sabe onde consigo encontrar alguma prova antiga de mestrado das federais.
Obrigado.
Wellington, te mandei um email te respondendo. Espero ter ajudado. Abraço!
ResponderExcluirOlá, Gal. Vi o colega acima falando que você passou no mestrado, será que você não pode fazer um post dando algumas dicas de como passar por esse processo de mestrado, usando como base sua experiência na UFBA?
ResponderExcluirotimo resumo
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