sexta-feira, 3 de maio de 2013

Síntese e fichamento do texto "Vida de Escritores" de Leonor Arfuch


ARFUCH, Leonor. Vidas de escritores. In: O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Tradução Paloma Vidal. Rio de Janeiro. EdUERJ, 2010. (p. 209-237)

SÍNTESE

O texto Vidas de escritores de Leonor Arfuch apresenta reflexões a respeito do gênero entrevista. Segundo ela, dentre os territórios conquistado por este gênero, o dos escritores foi um dos privilegiados. Para Arfuch, o interesse na vida dos grandes escritores do século XIX não cessou de se incrementar, e a compilação em livros de entrevistas de escritores publicadas, primeiramente na impressa, já se transformou num clássico dessa categoria editorial.
A teórica afirma que o que se pede a essa fala que reduplica a escrita é que o autor preste contas da unidade do texto que leva seu nome e revele o seu sentido oculto, além de que articule com sua vida pessoal e com suas experiências vividas.
Utilizando trechos de entrevistas realizados com diversos escritores, o texto discorre a respeito do “autor” no intervalo entre herança e criação, entre a imposição dos gêneros instituídos e a marca de sua subjetividade, entre o que escreve e o que declara cotidianamente.

FICHAMENTO


  • Vidas e obras

“Nesse falar sobre os livros, as vicissitudes da autoria se articulam, com ênfase peculiar e detalhamento, com a vida pessoal.” (p, 211)

“(...) não haverá detalhe semiótico do entrevistador. (...) quando se trata de escritores, esse detalhe adquire um novo valor, (...) vida e ficção, a solicitação de ter que distinguir o tempo todo esses limites borrados (...) parece um destino obrigatório do métier de escritor.” (p, 211)

“O ‘momento autobiográfico’ da entrevista, como toda forma em que o autor declara a si mesmo como objeto de conhecimento, apontará então para a construção de uma imagem de si, ao mesmo tempo em que tornará explícito o trabalho ontológico da autoria, que se dá, sub-repticiamente, cada vez que alguém assume um texto com seu nome.” (p, 212)

“Assim, o dialogo na proximidade com o autor tentará descobrir, além da trama e das vozes, das adivinhações e das armadilhas do texto e mesmo das ‘explicações’ preparadas para a ocasião, aqueles materiais indóceis e misteriosos da imaginação, de que maneira a vida ronda a literatura ou a literatura molda a vivência.” (p, 212)

“A conversa com escritores se torna, assim, um exercício tão clássico quanto especializado, cujo resultado não se esgota na primeira publicação, mas antes se integra às palavras ditas no universo atribuível ao autor, com o mesmo status que suas cartas, diários íntimos, caderno de notas, rascunhos, suscetível de ser citada como testemunho, de ser compilada em forma de livro, de se transformar em leitura teórica e, evidentemente, em material para uma biografia.” (p, 214)

“(...) a entrevista oferece um terreno iniciático, um material embrionário para retomar e desenvolver, ao mesmo tempo em que assegura um diálogo suplementar com sua posteridade.” (p, 214)

“A entrevista oferecerá, assim, a possibilidade não somente de se debruçar sobre a própria autobiografia (...) mas também de assentar teoria sobe esse gênero literário incerto, de deslindar-se da referencialidade, de enfatizar, (...) sua impossibilidade constitutiva, sua escassa distância do ficcional, suas ‘tretas’ e os jogos múltiplos de interpretação que é capaz de propor a seu leitor.” (p, 216)

“(...) a imersão no mundo da vida do autor ou numa ‘profundidade’ (...) não assegura nada sobre a ‘identidade’ em questão.” (p, 217)

“Da mesma maneira que a respeito de outras posições de autoridade na sociedade (...) a reportagem funcionará aqui como ritual de consagração, gerando seus próprios mitos: o escritor ‘difícil’, pouco inclinado aos encontros; a celebridade que fala em todos os lugares; o ‘resignado’, que suporta pela enésima vez as mesmas perguntas; o rebelde, que recusa os percursos propostos; o ‘midiático’, que administra tão bem sua imagem pública que acaba fazendo de sua vida sua obra.” (p, 217 e 218)

“(...) a atividade do diálogo com o entrevistador, no leque de suas topologias, não deixará de ser, virtualmente, relevante para ambos: por um lado, oferecerá sempre a possibilidade de descobrir alguma aresta impensada da – própria – criação ou algum ‘ar familiar’ não advertido em relação à obra de outros autores; por outro, constituirá uma mostra ‘representativa’ do que ocorreu ou ocorrerá com a recepção da obra.” (p, 218)

“(...) se caráter de mediador faz com que seu questionário não deva refletir somente a opinião pessoal, mas também certas hipóteses (...) a entrevista ecoa, recolhe o que está no ambiente, certo ‘murmúrio’ do discurso social, ao mesmo tempo em que prefigura e constrói modalidades de apropriação.” (p, 218)

  • A cena da escrita

“ Por diferentes caminhos, a interrogação leva à gêneses da escrita, aos bastidores do trabalho do escritor.” (p, 219)

“(...) como deslindar o velho mito romântico do autor inspirado na mais moderna – e pálida – imagem do trabalhador obstinado? (p, 220)

“(...) a entrevista faz disso uma especialidade, na medida em que traz duas iamgens à cena: o vislumbre da inspiração, da iluminação súbita e casual, mas, acima de tudo, a rotina do trabalhador. (p, 220)

“A liberdade do escritor – e da criação – estará assim condicionada pelos mesmos parâmetros que regem qualquer ofício (o horário, o esforço, a angústia), mas também espreitada por uma síndrome mais específica, o ‘bloqueio’, a falta de inspiração...” (p, 221)

“A cena da escrita – como em toda autobiografia – é, por sua vez, indissociável de um começo.” (p, 222)

  • A cena da leitura

“Se a infância do escritor se distingue de outras, nessa inevitável evocação que toda pergunta pelo começo suscita, é pela marca dos livros.” (p, 224)

“A cena da escrita se desdobra, assim, quase obrigatoriamente, em outra cena mítica: a da leitura, que pode ser também a das vozes dos mais velhos, com as quais se tece a identificação.” (p, 224)

“Seja como gesto corporal de iniciação, abertura a uma verdadeira intimidade, relação amorosa com o livro-objeto ou ligação perdurável através da temporalidade, a cena da leitura do escritor é um biografema.” (p, 224)

“Se para Barthes a cena da leitura marca o caráter desejante do sujeito, a oscilação entre prazer e gozo, seu eterno caminho metonímico (...) a recorrência dessa cena em relatos autobiográficos (...) de escritores de diferentes épocas a torna uma fábula de identidade.” (p, 225)

“Mas também toda passagem da ‘vida’ à escrita, (...) corresponde a um ato de leitura, que recorta, do curso do indiferenciado, os elementos suscetíveis de entrar na composição. A leitura do escritor fala, (...)” (p, 225)

“Como sugere Paul de Man lendo Proust (1979, p. 57), a outra coisa que essa cena pode nos dizer vai muito além do detalhe dos livros; ela diz mais do que diz.” (p, 225)

“Cena que está muito longe de ser apenas uma ancoragem mítica da infância (...)” (p, 225)

“Se por meio de suas leituras o escritor define sua dupla identidade como autor/leitor (...) no traçado dessa cartografia não pode faltar a hipótese em torno de sua própria leitura como autor, como imagina seu ‘leitor modelo’ (...) e como se confronta, ou deveria se confrontar, ao produto de sua escrita.” (p, 227)

“A indagação em torno do leitor ou da resposta suscitada pela obra, (...) também pode produzir pequenas peças ensaísticas em que se perfila de certo modo a filosofia do autor, contribuindo assim, de maneira talvez indireta, para a (re) configuração do público (...) em suma, para uma intervenção (...) no horizonte de expectativas.” (p, 228)

  • Dos mistérios da criação

“Se a entrevista incursiona confortavelmente no terreno da autobiografia, situando a pessoa do autor numa trama de pequenos gestos cotidianos, (...) se penetra em zonas destacadas de sua infância e de sua vida, elaborando hipóteses sobre sua correspondência na escrita, se oferece um terreno propenso às memórias, ao diário intimo e à confissão, que outro interesse poderia despertar, além disso, no leitor/entrevistador? (...) ensinamentos sobre como escrever, conselhos, apreciações sobre os contemporâneos, sobre o livro que teria gostado de escrever, rivalidades, fofocas, opiniões sobre teoria e/ou literatura ou sobre qualquer outra coisa.” (p, 229)

“Mas há, obviamente, a obra, que também pode falar através dessa voz. E a obra é um mecanismo prodigioso, cujo mistério a ‘pessoa’ não chega a desvelar, uma distância que já se emancipou de seu demiurgo, apropriada, internalizada pela fantasia do leitor. É por isso que a pergunta a respeito dela será sempre aproximativa (...)” (p, 229)

“No entanto, a curiosidade ronda essas coisas: como surgiu uma ideia, um nome, um rosto, desenlace, como aquele personagem que já faz parte da própria interioridade adquiriu carnadura e impôs um destino à narrativa...” (p, 229)

“(...) talvez as vidas criadas no trabalho de artífice da escrita (...) tenham frequentemente para os leitores uma atração inclusive maior do que as vidas ‘reais’.” (p, 232)

“(...) toda literatura – escrita – é autobiográfica na medida em que participa desse plano concreto, não por aglutinar convencionalmente um conjunto de tropos, mas por compartilhar, mesmo sem confessar, medos, paixões, obsessões, fantasias.” (p, 233)

“Além disso, talvez (...) as formas autobiográficas canônicas sejam escapes verdadeiros da alienação do escritor no texto de ficção, da solidão do si mesmo à qual chega pelo caminho de sua obra, a esse estranhamento de “um ‘Ele’ que substitui o ‘Eu’ (...)” (p, 233)

“Assim, o diário, o mais elusivo e sintomático registro da vida, não seria essencialmente confissão, relato de si mesmo, mas um memorial, um lembrete de quem é quando não escreve, uma ligação aos detalhes insignificantes da realidade, como pontos de referencia para ‘se reconhecer quando pressente a perigosa metamorfose à qual está exposto’ (Blanchot, [1955] 1992, pp. 22-3)” (p, 233)

“ O diário do escritor tenderia, (...) à preservação do tempo comum, do tempo que continua, fechado, como salvaguarda de uma felicidade possível.” (p, 234)

“Voltando ao nosso gênero (...) poderia se postular do mesmo modo que e toda escrita se torna hoje autobiográfica, embora esteja muito longe dos confins do cânone, em grande medida pelo trabalho da entrevista, por essa investida sobre o tempo, a privacidade,a  historia, a pessoa (...) por essas rememorações, reais ou fictícias, que a maquina jornalística o obrigará a contar.” (p, 234)

“O reenvio entre anúncios, manchetes, notas, entrevistas e resenhas tece uma trama peculiar em que, às formas mais ou menos canônicas, se soma uma oferta de escritas de ficção, ensaísticas e até acadêmicas que aparecem necessitadas de se certificar sobre a vida e/ou a subjetividade do autor.” (p, 235)

“Essa insistência em nos convencer da proximidade (...) entre vida e obra, em acentuar o caráter (pretensamente) testemunhal, autobiográfico ou autorreferencial de textos que não o são explicitamente, é mais uma prova da extensão do espaço biográfico contemporâneo, enquanto ancoragem obsessiva (...) numa hipotética unidade do sujeito.” (p, 235)

“ (...) a entrevista de escritores se desdobra como um suplemento necessário. O que é dito ali não só tende a alimentar a lógica insaciável do mercado, a (auto)produção do autor como figura pública, sua imagem como ícone de vendas, como suporte do gesto da assinatura (...) mas também a relação, antiga e fascinante, entre autores e leitores, por caminhos (...) que escapam ao texto e que nem por isso lhe são totalmente alheios, caminhos que levam talvez, inadvertidamente, a outros registros do conhecer (...)” (p, 236)

“E, se para o leitor a proximidade construída na entrevista será suscetível de aportar dados, matizes e emoções não encontrados em outro lugar, para o escritor, o desafio dialógico será capaz de compensá-lo, por sua vez, da carência ou da insuficiência (...) da autobiografia.” (p, 237)

“(...) a entrevista é talvez, em seu devir já canonizado, a outra voz apropriada para quem quiser falar. Um falar inconcluso por natureza, em troca do árduo trabalho de perguntar.” (p, 237)






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