Traçar o
panorama histórico da teoria literária no Brasil, talvez seja a melhor forma
para entender as influências recebidas e as suas nuances na contemporaneidade.
Inicialmente, a teoria da literatura servia às leituras
de textos com seus métodos e técnicas. Aos poucos tornou-se objeto privilegiado
de exame e abriu espaços para a reflexão. Ela marcou sua presença no interior
de outros saberes da história, sua compreensão exigia uma dinâmica relação com
outros discursos como a filosofia, a linguística, a antropologia, a sociologia,
a psicanálise e a semiologia. Na década de 60, por ganhar espaço no currículo
de Letras de todo o país e por iniciar nova reflexão crítica sobre a
literatura, a disciplina se destaca entre as outras das ciências humanas.
É nos anos 70, com a abertura dos cursos de pós
graduação, no Brasil, que a interdisciplinariedade recebe grande incentivo por
parte do estruturalismo. Assim, a teoria literária estreita a sua relação com
antropologia, a psicanálise e a semiologia. Nesta época, se desenvolve os
estudos de interpretação dos discursos mítico, onírico e literário, e de textos
marginalizados pela literatura oficial. Ao
ser considerada ciência da literatura,
a teoria literária se encarrega de demonstrar as leis e processos que regem o
texto literário. Com influência das correntes de crítica do século XX, formula
e elabora métodos, categorias e conceitos próprios. O reflexo dessas
transformações resulta no repúdio da abordagem historicista e a defesa de
categorias universais com base em critérios de ordem estética.
À medida que os discursos das ciências humanas ganhavam
mais espaço no interior dos cursos de Letras, mais obrigava os estudos
literários a renovar sua teoria e a participar das transformações realizadas
nas outras áreas. Assim, os cursos de literatura brasileira se inclinavam para
certo tipo de abordagem que privilegiava a análise das formas narrativas
contemporâneas, as manifestações de vanguarda, ou a literatura de textos
fundadores da literatura brasileira, visando a constituição de uma nova
historiografia literária.
Vale ressaltar a grande contribuição que a antropologia deu
à teoria da literatura. Essa ciência ao descentrar o eixo dos valores etnocêntricos,
propiciou a quebra de hierarquia dos discursos e aguçou o interesse pela
valorização de textos considerados marginais pela cultura oficial. Os Estudos Culturais, na década de 1950,
desenvolvido por teóricos ingleses, defendia o valor da cultura popular frente
à nova cultura de massa e as manifestações literárias que não estivessem
voltadas somente para as elites. Conhecida como crítica cultural, estes estudos
chegam ao Brasil depois da ditadura militar. É nesta época que as teorias são
revitalizadas pelos interesses por novos conceitos, como os de
pós-colonialismo, pós modernismo, pós-estruturalismo, e com o advento dos
discursos das minorias.
A estudiosa Eneida Maria de Souza em entrevista concedida
em 2007 à Helton Gonçalves de Souza e Martha Lourenço Vieira ressalta o
engajamento de muitos em defesa da literatura. Segundo ela, estes defensores alegam
que a literatura está sendo negligenciada pelos Estudos Culturais. Eneida
considera essa discussão sem contribuição, para ela, a crítica literária sempre
se preocupou com a cultura. Por isso, ressalta que hoje é impossível ler e
analisar um texto sem que este ultrapasse as fronteiras literárias e se projete
para outros campos.
Assim, é
possível afirmar que a crítica literária, dos dias atuais, não se restringe a
um público específico, mas volta o seu olhar para as transformações culturais e
políticas do mundo, daí a aparente crise enfrentada pela teoria literária.
Em sua obra
Tempo de pós crítica (2012) assume a
posição de que a obra literária não deve se restringir a parâmetros centrados
na ruptura ou no endosso de determinados modelos sociais. Segundo ela, a marca
autoral no texto analítico funciona como uma das conquistas mais recentes do
discurso crítico das ciências humanas, entendendo-se que o sujeito volta à cena
no discurso de forma ainda esvaziada e fraturada. A reflexão de Eneida
desvincula da dimensão universalista e generalizante, o estatuto do sujeito, da
autoria, da escrita e da linguagem.
Eneida não
é saudosista nem mesmo fecha as portas para o futuro, apenas admite
corajosamente que “(...) a valorização de um passado sem brechas ou rasuras
complica e falseia a lembrança, com vistas a reter apenas o que a memória soube
guardar de bom” (SOUZA, 2012, p. 74). Assim, a estudiosa demonstra entusiasmo
diante das mudanças que se refletem no pensamento crítico atual. Para ela,
reconhecer as limitações teóricas e procurar ultrapassá-las seria o primeiro
passo para que não seja destruído um projeto, nem tão utópico, de construção de
um pensamento crítico entre nós.
Embora entenda a prática teórica como uma forma de
intervenção do intelectual, Eneida admite ter a sensação de estarmos divididos
entre um pensamento teórico capaz de entender os complexos acontecimentos da
contemporaneidade e a posição assumida pela classe intelectual universitária,
voltada para a prática selvagem de modelos tradicionais. Muitos desses
intelectuais reforçam, por exemplo, os preconceitos ligados aos Estudos Culturais,
por considerarem que estes promovem o esvaziamento da noção de cultura, indissociável
do conceito de identidade nacional.
SOUZA, Eneida Maria de.
Tempo de pós-crítica: ensaios / 2 ed. – Belo Horizonte: Veredas e Cenários,
2012.