Por Glauce Souza
SANTIAGO, Silviano. O narrador pós-moderno. In: Nas malhas das letras: ensaios/Rio de Janeiro; Rocco, 2002, p. 38-52
SANTIAGO, Silviano. O narrador pós-moderno. In: Nas malhas das letras: ensaios/Rio de Janeiro; Rocco, 2002, p. 38-52
É a partir dos contos de Edilberto Coutinho (EC) que
Silviano Santiago em seu texto O narrador
pós-moderno, discute o que ele considera uma das questões básicas sobre o
narrador na pós-modernidade: quem narra uma história é quem a experimenta, ou
quem a vê?
O autor apresenta as diferenças entre aquele que narra a
partir da experiência e aquele que narra a partir da observação, sinalizando
que entre estas diferenças o que está em questão é a noção de autenticidade.
A partir daí, Silviano Santiago arrisca sua primeira
hipótese: “o narrador pós-moderno é aquele que quer extrair a si da ação
narrada, em atitude semelhante à de um repórter ou de um espectador. Ele narra
a ação enquanto espetáculo a que assiste (...) da plateia, da arquibancada ou
de uma poltrona na sala de estar da biblioteca; ele não narra enquanto
atuante.”
Santiago afirma que ao trabalhar com o narrador que olha
para se informar, a ficção de EC dá um passo a mais no processo de rechaço e distanciamento do narrador clássico, segundo as características
feitas dele por Walter Benjamin no texto O
narrador – considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. É este movimento
que torna o narrador pós-moderno, declara Santiago.
Para ele, Walter Benjamin pode caracterizar três estágios
por que passa a história do narrador. Primeiro, o narrador clássico, que
proporciona ao seu ouvinte a oportunidade de um intercâmbio de experiência;
Segundo, o narrador do romance, que não mais pode falar de maneira exemplar ao
seu leitor; Terceiro, o narrador que é jornalista, que só transmite pelo narrar
a informação, escreve não para narrar a ação da sua própria experiência e sim
de outros. Benjamin em seu ensaio valoriza o primeiro estágio e desvaloriza o
terceiro e, em seu raciocínio, o principal eixo em torno do qual gira o
“embelezamento” (e não a decadência) da narrativa clássica hoje é a perda
gradual e constante da sua dimensão utilitária e essa utilidade consiste num
ensinamento moral, sugestão prática, provérbio ou norma de vida.
Assim, Silviano Santiago arrisca sua segunda hipótese de
trabalho: “o narrador pós-moderno é o que transmite uma sabedoria que é
decorrência da observação de uma vivência alheia a ele, visto que a ação que narra
não foi tecida na substância viva da sua existência”.
É a partir de alguns contos de EC que o autor tenta
comprovar as suas hipóteses e entender o significado e a extensão dos problemas
propostos a fim de subsidiar numa discussão e futura tipologia do narrador pós-moderno.
Neste texto, ele afirma que, a maioria dos contos de EC
se recobre e se enriquecem pelo enigma que cerca a compreensão do olhar humano
na civilização moderna e o que está em jogo nestes contos é o denso mistério
que cerca a figura do narrador pós moderno. Também afirma que o essencial da
ficção de EC é a própria arte do narrar hoje.
Atrelada a esta constatação e a partir da analise nos
contos “Sangue na praça” e “Azeitona e vinho” em que os narradores têm atitude
semelhante, surge uma pergunta válida: por que o narrador não narra sua
experiência de vida? Santiago afirma que a ação pós-moderna é jovem,
inexperiente, exclusiva e privada da palavra e isso explica porque a ação não
pode ser dada como sendo do narrador.
A respeito do narrador e do leitor, o autor afirma que
ambos se encontram privados da exposição da própria experiência na ficção e são
observadores atentos da experiência alheia. Segundo ele, a importância do
personagem na ficção pós moderna se revela na pobreza de experiência tanto do
narrador quanto do leitor, e estes se definem como espectadores de uma ação alheia
que os empolga, emociona e seduz.
Segundo Santiago para falar da incomunicabilidade de
experiências (a do narrador e a do personagem) que a ficção existe. A
incomunicabilidade, no entanto, se recobre pelo tecido de uma relação, relação
esta que se define pelo olhar e a retribuição deste olhar não é importante. Trata-se
de um investimento feito pelo narrador em que ele não cobra lucro, pois o lucro
está no próprio prazer que tem de olhar. A respeito da maioria dos contos de Coutinho,
ele assegura que se recobrem e se enriquecem pelo enigma que cerca a
compreensão do olhar humano na civilização moderna.
Santiago adverte que caso o olhar queira ser reconhecido como
conselho, surge a incomunicabilidade entre o mais experiente e o menos. A
sabedoria apresenta-se, pois, de modo invertido. Assim, declara: “Há um
conflito de sabedorias na arena da vida, como há um conflito entre narrador e
personagem na arena da narrativa”.
Feito isto, apresenta uma distinção importante entre o
narrador pós-moderno e o seu contemporâneo (em termos de Brasil), o narrador
memorialista. Na narrativa memorialista, o narrador mais experiente fala de si
mesmo enquanto personagem menos experiente, extraindo da defasagem temporal e
mesmo sentimental a possibilidade de um
bom conselho. Já o narrador da ficção pós-moderna não quer enxergar a si
ontem, mas quer observar o seu ontem no hoje de um jovem.
Silvano Santiago ainda afirma que há um olhar camuflado
na escrita sobre o narrador de Benjamin que merece ser revelado e que se
assemelha ao olhar que é descrito no texto. Segundo ele, o olhar no raciocínio
de Benjamin caminha para o leito da morte, o luto, o sofrimento e a lágrima
enquanto que o olhar pós-moderno (em nada camuflado, apenas enigmático) volta-se
para a luz, o prazer, a alegria e o riso.
Santiago finaliza o texto chamando à atenção para a
dureza e exigência dos tempos pós-modernos. Uma delas, querer a ação enquanto
energia e se falta à ação representada o respaldo da experiência, esta, passa a
ser vinculada ao olhar, pois, segundo ele: “O narrador que olha é a contradição
e a redenção da palavra na época da imagem. Ele olha para que o seu olhar se
recubra de palavra, constituindo uma narrativa.”