terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Rir pode não ser o melhor remédio


Marina Colasanti


Fábulas da Mulher Moderna, assim estava escrito, há algumas semanas, no alto de uma estante promocional estrategicamente posicionada para receber os frequentadores logo `a entrada da livraria Barnes & Noble, na 7º avenida, em Nova Iorque. E eu, mulher moderna que acabava de cruzar o umbral, senti-me convocada e parei para ver o que, da minha espécie, se contava. 

Slave of fashion (escrava da moda) era um dos títulos, assinado por Rebecca Campbell. Good in bed (Boa de cama) era outro, de Jennifer Weiner. E ainda, The accidental virgin ( Virgem acidental), Filthy rich ( Terrivelmente rica), The dictionary of failed relationships, 26 tales of love gone wrong ( Dicionário das relações fracassadas, 26 histórias de amor que não deu certo), I do but I dont’ ( Eu faço mas não faço), The dominant blonde ( A loura dominadora) . A estante, que se pretendia tentadora, oferecia ao todo 36 livros do mesmo teor.

E o que diziam eles ? Autora de destaque na área, Marian Keyes aparecia com vários títulos. No último , Last chance saloon (A última chance), conforme li na contra-capa, conta-se a história de três amigas que, vindas de uma pequena cidade para a metrópole, não conseguem vida amorosa. E será certamente apreciado, dizia ainda a contra-capa, pelas leitoras que se deleitaram com a obra anterior, Sushi for beginners ( Sushi para principiantes) todo ambientado no mundo da moda. A busca infrutifera do amor era tema também da história de uma organizadora de casamentos, que não consegue casar. E um terceiro , que trazia na capa a foto de uma mulher sentada , com a cabeça inteiramente metida dentro de um saco de papel pardo, sugeria já no título -Why girls are weird - explicar porque as mulheres são estrambólicas ou, no mínimo, esquisitas.

Todos prometiam “muita diversão”, eram “engraçados” ou “engraçadíssimos”, as leitoras, que “nunca haviam rido tanto”, iam seguramente “morrer de rir”.

Ninguém nos prometia gargalhadas quando, nas décadas de 70 e 80 , procurávamos nas livrarias os títulos que continham a modernidade do feminino. Não esperávamos que Simone de Beauvoir fosse hilária, nem que Kate Millet , Gloria Steinem ou Shulamith Firestone nos fizessem rolar no tapete de tanto rir. E a sexualidade, vista por Luce Irigaray, certamente não tinha a mesma angulação cômica escolhida por uma Jennifer Weiner. Estávamos, naqueles anos, descobrindo uma nova maneira de ser mulher ou, como disse Simone, estávamos nos fazendo mulheres. 

E a nova maneira de ser mulher era, então, sair daquele mundo lacrado ao qual havíamos estado confinadas, para conquistar o espaço maior do coletivo. Era pensar o feminino em termos sociais. E entrar nas livrarias e buscar a seção “Mulher” equivalia a encontrar um entusiasmante encontro marcado de antropologia, sociologia, história, psicologia. O feminino parecia um continente novo onde tudo ainda estava por descobrir.

Agora nos deleitamos com o diário de Bridget Jones multiplicado em infinitas variantes - havia uma inclusive naquela tal estante, mas atualizada, com diário on line. E trocamos os amplos espaços recém possuidos, pelo limitado espaço do ego. Um ego mais moderno, é verdade, porque aberto `a visitação pública. As seções “Mulher” nem existem mais nas livrarias. Foram substituídas por “Estudos de Gênero”, em que as mulheres aparecem mais vinculadas a homossexualismo do que a qualquer outra coisa. E as mulheres foram transferidas para a seção “Comportamento”, uma vaga mistura de auto-ajuda e aconselhamento amoroso.

A palavra de ordem que era Refletir, foi trocada. A que vigora é Divertir-se. E, se antes refletíamos sobre nossa condição, agora rimos dela.

Estamos achando cômica a busca feminina do amor, como se o amor fosse um resíduo ridiculamente romântico a ser descartado com a modernidade. Sentamos para nos divertir diante de Sex and the city, sem que ecoem em nossos ouvidos as palavras de Octavio Paz:” ...acho que o amor tornou-se uma abstração...A alma tornou-se um departamento do sexo, e o sexo tornou-se um departamento da política. Se a nossa sociedade vai se recuperar, temos que recuperar a idéia de amor (...) essa é a coisa mais importante. Se não encontrarmos isso, a vida será um deserto.”

Rir é muito bom. Rir de si mesmo pode ser extremamente saudável, uma demonstração de senso crítico. E é claro que as mulheres não estão sozinhas nessa grande gargalhada. Ainda em Nova Iorque, fui assistir Grande jornada do dia noite adentro, e a platéia ria. Nessa, que é a peça mais dramática de O’Neill, o público aproveitava qualquer mínima oportunidade para gargalhar. Não é isso o que nos ensinam as sitcom e os programas de auditório pontuados por gargalhadas de encomenda?

Rir, porém, pode ser também uma forma de manter-se fora das situações, evitar o envolvimento. É quando o riso se aproxima do cinismo, e se substitui à ação: se estou rindo estou criticando, e se estou criticando já basta. 

Não vamos rir para sempre, não há maxilar que aguente. Nosso riso atual é provavelmente apenas um pit-stop histórico entre uma reflexão e outra, uma e outra luta crítica em busca de melhoria. Estamos, como estão os jovens na night, em trânsito. Mas ainda assim, certos corações sangram quando comparam uma Claire Bretecher, que com seus Les Frustrés - publicados no Le Nouvel Observateur- nos fazia rir do pensamento das mulheres, a uma Maitena que faz rir repetindo velhos clichês sobre o seu não-pensamento.


Fonte: COLASANTI, Marina. Rir pode não ser o melhor remédio. In: Fragatas para Terras Distantes. Rio de Janeiro: Record 2004. p. 191-194

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Alô machista, me diz aí do que você gosta!!!

Ontem, estava caminhando rapidamente pelo centro da cidade de Jequié quando ouvi sair da boca de um homem a seguinte exortação: "Homem não gosta disso, você sabe disso!" A entonação usada na frase, demonstrava que o autor estava bastante irritado com algo que lhe fizeram. Desconfiei, imediatamente, que o homem estivesse irritado com a sua companheira, para quem direcionou a frase e que caminhava ao seu lado de mãos dadas, ouvindo de forma passiva a declaração do seu macho. A partir daí a minha mente, seguindo a mesma linha do desenho animado O fantástico mundo de Bob, começou a “viajar”. Pensei muito a respeito do que tinha levado aquele homem a fazer tal declaração. Foram estas as minhas desconfianças: será que esta mulher encontrou um amigo de infância que não via há muito tempo e ao cumprimentá-lo com bastante entusiasmo causou um ciúme exacerbado no homem que pensa ser seu dono? A cena foi próxima a uma agência bancária, daí continuei minhas suposições: será que esta mulher resolveu alguma questão bancária que não era para ela resolver? Afinal, quem resolve essas coisas de transações bancárias, juros etc são os homens, somente eles estão aptos para isso. Será que a irritação estava no fato dela ter desobedecido ele ao usar aquela roupa que ele odeia? Será que esta mulher tinha feito alguma declaração e este homem sentiu a sua masculinidade bastante ofendida? Como não posso responder exatamente o que tenha levado esse homem a fazer tal declaração, resolvi continuar minhas suposições, agora respondendo à seguinte pergunta: Afinal, do que não gostam os machões? Os machões não gostam de mulher com roupa curta, até que passa em sua frente uma mulher com aquele shortinho e seus olhos paralisam e suas bocas falam obscenidades. Os machões não gostam de mulher que ingere bebida alcoólica, mas nos bares a primeira coisa que oferecem a uma delas é uma bebida forte para tirá-la do controle e deixá-la mais vulnerável a um lance. Os machões não gostam de mulheres que trabalham fora de casa, mas adoram aquelas com quem tem um “caso”, suas colegas de trabalho. Os machões não gostam de mulheres descoladas, que contam piadas, que se comunicam bem, mas são essas que mais chamam a atenção deles. Os machões não gostam de mulher independente, mas admiram aquelas que têm sua própria casa, seu próprio carro, seu próprio dinheiro. Afinal, isso facilita a aventura. Portanto, quando ouvir um machão dizer que: “homem não gosta disso”, desconfie que é disso mesmo que eles gostam!

terça-feira, 24 de setembro de 2013

O NARRADOR em Narradores de Javé


O filme brasileiro, intitulado Narradores de Javé (2003), dirigido por Eliane Caffé, relata o drama vivido pelos moradores do Vale de Javé (povoado fictício, situado na Bahia) diante da ameaça do seu desaparecimento. Esta ameaça surge por conta do arbitrário projeto do Governo de construção da represa hidrelétrica naquele lugar. Incomodados e temerosos com esta ideia, os moradores da região, acreditavam que o registro escrito das histórias de fundação – gravadas, até então, na memória do povo - serviria para mostrar às autoridades a importância daquela região e tombá-la como patrimônio histórico livrando-a do desaparecimento.

Dentre muitos temas apresentados no filme, vale ressaltar que a narração e o narrador ganham destaque. O filme é composto de várias narrativas, uma delas é a do personagem Zaquel que efetivamente vai contar a história do povoado. Dentro desta história há várias subnarrativas que recebem versões diferentes à medida que são narradas por personagens diferentes. Podemos afirmar que os conceitos destes temas no longa metragem são análogos à teoria apresentada por Walter Benjamin em seu texto O narrador – considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. 

O autor inicia seu texto fazendo uma declaração em relação à presença do narrador e sua distância entre nós. Para ele o narrador está em extinção, por isso afirma: “(...) por mais familiar que seja seu nome, o narrador não está de fato, presente entre nós, em sua atualidade viva, ele é algo distante e que se distancia ainda mais (...)”. No filme, esta distância do narrador pode ser observada na figura do homem incumbido de registrar as histórias de fundação do Vale de Javé, Antonio Biá, que há muito tempo já não fazia parte do convívio social. 

Mas, Antônio Biá, não é apenas um homem que sabe escrever em um lugar em que ninguém mais sabe, ele é uma raridade. Segundo Benjamin, as pessoas que sabem narrar devidamente são cada vez mais raras. Biá considera a narrativa uma arte artesanal, um ofício manual. No ato da escrita a sua escolha pelo lápis, ao invés da caneta, é justificada por este seu conceito. 

Ao escutar as histórias, gravadas na memória do povo, para transcrevê-las, o escrivão do Vale de Javé demonstra saber que o ato de narrar requer também o domínio de alguns recursos linguísticos. Por isso dá demonstrações da impossibilidade da imparcialidade na conversão da linguagem oral para a linguagem escrita, e delimita: “a história é de vocês, mas a escrita é minha”. Ele, parece acreditar, como Benjamin, que a narrativa não está interessada em transmitir o “puro em si” da coisa narrada como uma informação ou um relatório e sim, mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele, imprimindo-se na narrativa a sua marca. Neste sentido, é possível perceber no filme que as personagens mergulham de tal forma nas histórias que se tornam protagonistas delas.

Outra característica do narrador apontada no texto de Benjamin é a de que o grande narrador tem suas raízes no povo, principalmente nas camadas artesanais. Biá representa esse narrador, pois, para desenvolver seu trabalho entende que é preciso se relacionar diretamente com o povo e não se deixar influenciar por quem está de fora.

Para Benjamin, a verdadeira narrativa tem sempre em si, uma dimensão utilitária e essa utilidade pode incidir em um ensinamento moral, uma sugestão prática, um provérbio ou uma norma de vida. Para o povoado de Javé, a dimensão utilitária da narrativa estava no fato de que ela “salvaria” aquele lugar. 

No primeiro momento, Antonio Biá não cumpre a missão para a qual foi designado, de escrivão dos grandes feitos do Vale de Javé, mas, mesmo assim, ele figura entre os sábios e os mestres - característica dada ao narrador por Benjamin - e nos ensina que em alguns momentos a melhor opção “é deixar a história na boca do povo, porque na mão, não há papel que lhe dê razão”. 

No final do filme, a chegada das águas, representando a modernidade, aparentemente, resulta na morte da narrativa, pois, esta ali já não tem o mesmo efeito. Com a chegada da imprensa no mundo moderno a morte da narrativa foi temida por Walter Benjamin. A cena da entrada de Biá nas águas segurando o “livro da salvação” é emblemática, pois, representa o possível desaparecimento do narrador. 

Mas, assim como o surgimento da imprensa não apagou completamente a narrativa, como temia Benjamin, a chegada das águas no Vale de Javé também não apaga a figura do narrador. Com a cidade desaparecida, Antônio Biá começa uma nova história de Javé, a fim de atribuir significado ao passado, a partir de um mundo novo que desponta. 


REFERÊNCIA:

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.





















segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Homenagem para Daniela


A grandeza de ser humano que carregas no peito me deixa encantada, boquiaberta. Agradeço à Deus por ter me agraciado com uma irmã/companheira/amiga.
Você sabe que és uma referência para mim não é? Mas, não custa nada repetir isso, até mesmo porque sinto uma necessidade enorme de dizer para todos o quanto que tua vida me ensina, teu jeito de se relacionar com as pessoas, tua humildade em reconhecer seus próprios erros e olhar o outro sem distinção como Cristo nos ensina.
Ah, como gosto quando as pessoas me acham parecida com você em algum aspecto, fico tão lisonjeada que você nem imagina...
Acho que Deus não encontraria uma data melhor para o seu aniversário, na chegada da primavera, estação das flores e, principalmente, de uma flor chamada Daniela.
Te amo!
Feliz primavera!!!


sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Homenagem à Gláuber Rocha

No dia 22 de agosto de 1981, aos 42 anos de idade, morria no Rio de Janeiro, Gláuber de Andrade Rocha, cineasta baiano nascido na cidade de Vitória da Conquista. Gláuber foi um revolucionário do cinema brasileiro que combatia radicalmente o estilo norte americano de fazer cinema. Neste mês, no espaço Caricaturando, do blog Várias partes de mim, homenageamos Gláuber Rocha. 
Salve Gláuber!!!

domingo, 18 de agosto de 2013

A VOLÚPIA DO DANÇARINO

Para João Marcos

O dançarino recebeu uma pedrada.
O dançarino endoideceu.
E agora dança nu pelas ruas
da grande cidade misteriosa.

Já não há controle de nada.
Agora, tudo é volúpia.

Vai dançarino doido: sê feliz do teu jeito!
Dá uma daquelas piruetas perfeitas no ar.
E entontece as pessoas que te veem voar.
Entontece-as com o teu desejo doido

de bailar.

(Glauce Souza)

MEDIDA CERTA


A tua ausência
me roubou o colorido.
Hoje o que mais quero
é um verso doído.

Tenho fome,
de comer o universo.
Construirei um altar
para meus versos.

E arrancarei nos dentes
toda a gordura da poesia.

(Glauce Souza)

SONHOS E PEDRAS


Sísifo sou eu,

condenada, nua e cansada.

Empurrando, insistentemente,

sonhos e pedras na estrada.

(Glauce Souza)

TUDO O QUE TENHO


Tudo o que tenho nesta noite passageira
são as metáforas ousadas de uma escritora mineira.

Tudo o que tenho nesta noite sem graça
são os versos inquietantes de uma escritora lassa.

Tudo o que tenho nesta noite de verão
são os versos de Zé Inácio cantando o sertão.

Tudo o que tenho nesta noite febril
são desejos maduros e um verso pueril.

(Glauce Souza)

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

John, o incendiário

John Sanctus, 

Particularmente, eu amo um poema de Mario Quintana em que ele diz que a vida é um incêndio. 
"A vida é um incêndio, nela dançamos salamandras mágicas...". São essas as palavras do poeta que parece estar falando de você amigo. Porque não é possível te olhar e não enxergar o "incêndio" que não cessa em tua vida. 
É um incêndio de amor, um incêndio de encantamento com as coisas simples da existência, um incêndio do prazer, um incêndio de amizade, um incêndio de sinceridade. É um incêndio necessário na vida de muitos, inclusive na minha. Confesso que é contigo que aprendo muito em como causar um incêndio na minha vida pacata. Preciso do calor e da claridade do teu incêndio! 
Hoje a ordem é celebrar a tua vida que tanto nos incendeia!




terça-feira, 9 de julho de 2013

Tempo de aprender sobre o tempo



Hoje lembrei de uma verdade registrada no livro de Eclesiastes capítulo 3: "Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu..." Lembrei dessa verdade porque o nosso coração costuma ser avexado, espera por muito tempo pelo desejado e mergulha de cabeça quando se depara com algumas situações que aparentemente parecem ser a oportunidade de vivenciar aquilo que tanto almejava. A vida não para, como canta Lenine em sua bela canção, e ela resolve embrulhar para nós alguns presentes. Mas, assim como em nosso aniversário, muitas vezes nos encantamos mais com o pacote do que com a qualidade do presente, tudo isso porque o presente não corresponde à expectativa. As incompletudes das experiências nos mostram isso e assim começamos a refletir se de fato é o momento de mergulhar... E pensamos: "Talvez o tempo ainda não seja este..." Me perdoem a redundância mas estou entendendo que entender essa verdade de um tempo determinado para cada coisa da vida, deixa a nossa existência mais leve, pois assim, passamos a não correr tanto em busca de viver à todo custo aquilo que desejamos. Ouvimos o pedido de um pouco mais de paciência e assim deixamos tudo acontecer no momento certo. E é assim que resolvemos não dar mais uma "mãozinha" ao tempo. Afinal de contas, "és um senhor tão bonito".

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Decomposição nossa de cada dia

Acostumamos a viver egoisticamente,
olhando para dentro.
Para dentro de nós mesmos,
para dentro dos nossos sonhos.
O nosso olhar para,

para de ter compaixão,
para de enxergar,
para de amar.

Somos cúmplices do sonho de alguém?
Qual a última vez que choramos a dor do outro?

Dentro das nossas casas, gradeados,
conectados e desalmados,
nos relacionamos mentirosamente com o mundo.

Enquanto isso,
não sabemos sequer,
o nome do nosso vizinho.  
Bradamos sem preocupação:
É esquisito e solitário!

A nossa noite é sem mistérios
e o nosso dia tem o cheiro pútrido
- de um corpo em putrefação -
que denuncia a nossa

decomposição.


terça-feira, 21 de maio de 2013

Caricaturando - mais um espaço no blog

O blog Várias partes de mim inaugura o espaço Caricaturando, reservado para divulgação de caricaturas de algumas pessoas públicas como artistas, políticos e famosos. O objetivo deste espaço é prestar uma homenagem mensal à estas pessoas, oferecendo-lhes as suas caricaturas, desenhadas pelo caricaturista Diego Santos Matos.


Diego tem 23 anos de idade e mora na cidade de Jequié - BA, onde estuda Sistema de Informação.

Crônica para Léo



Contaram-me que você nasceu enorme, pesando quase cinco quilos, que era um bebê lindo e guloso. As fotos da infância revelam um pouco da tua personalidade forte. Vejo aqui em casa, tanta foto sua com a cara fechada, triste, zangado porque não queria tirar a foto, não tava afim e não ia fazer isso apenas para agradar alguém, ponto final. 

Sabe meu irmão? Às vezes me pego lembrando a infância que tivemos. Morávamos naquela casinha, verdadeiro retrato da condição social em que vivíamos. E sabe? Bate uma saudade... não da dificuldade que passávamos, mas dos momentos que passamos juntos, dos princípios que nossos pais nos ensinaram, das nossas viagens para Barra Grande, das nossas brigas...Lembra como você me deixava nervosa quando vinha beijar a minha testa e propositalmente a deixava molhada do seu beijo? Essa brincadeira você denominou de “TO-CA-IA”, um verdadeiro neologismo. Ah...eu te xingava tanto de “BESTALHADO!!!” e tentava te bater. Confesso que as suas brincadeiras eram as melhores, sem falar das paródias que você fazia... Lembra quando mainha nos reunia para o culto doméstico, cantávamos músicas do cantor cristão e você ficava fazendo um batuque legal para dá vida àqueles hinos? Você já era bem moderno...rsrsrs 

Minha memória guarda todos estes momentos... Léo jogando bola na rua ou quando ficava horas conversando na porta de casa com os colegas. E assim você foi crescendo e eu crescendo junto e aprendendo contigo. Sabia que foi com você e com Geovany que aprendi a ouvir boas músicas como as de Legião Urbana e Engenheiro do Hawai? Impossível ouvir as músicas Terra de Gigantes e Pais e filhos e não me lembrar de vocês. Elas são emblemáticas para mim. Outra coisa bastante viva em minha memória é a sua rebeldia rsrsrs, coisas da própria idade...mas, mesmo assim são sérias e nossa mãe esteve atenta, cuidando para sempre te ensinar o melhor, o correto. Lembra quando você foi para Salvador escondido de painho? E aquela viagem para a micareta de Vitória da Conquista em que você ainda levou uma pessoa de menor com você? Mas esse adolescente foi tomando juízo, se tornando mais responsável e mais preocupado com a família... 

Hoje olho para você e vejo que és um adulto maduro, responsável e que possui uma visão de mundo extraordinária. Aprendo muito contigo, nas nossas conversas, nossas analises críticas da realidade do mundo, do nosso país, da nossa própria vida. Aprendo com a tua coragem de enfrentar as dificuldades e até mesmo com a tua compreensão de que na vida “Por mais que a gente cresça. Há sempre alguma coisa que a gente não consegue entender...” 

Hoje você completa mais um ano de vida, mas, quem ganha mesmo o presente somos nós, por te ter ao nosso lado, por ter esse Léo brincalhão, resenhista, forte e maduro. 

Feliz aniversário meu irmão! Te amo!!! 

Com carinho, 

Gal 

19/05/2013

sábado, 18 de maio de 2013

Religiosos, acadêmicos e intelectuais: um alerta aos irmãos católicos



"A fé e o pensamento caminham juntos; e é impossível crer sem pensar."
John Stott


Dentre muitas coisas interessantes que estudamos ao cursar Letras, encontra-se o tema do discurso. Aprendemos basicamente que é de suma importância a adequação do discurso para cada lugar (espaço) em que pretendemos nos comunicar. Além disso, aprendemos que por trás das falas sempre há uma(s) ideologia(s).


Confirmei mais uma vez estas verdades ontem à noite, dia 17 de maio de 2013, ao ouvir a fala de cada representante religioso no culto ecumênico da turma de Letras 2012.2 UESB, campus Jequié. Ao contrário de muita gente, gosto de frequentar estes espaços. Primeiro por causa da minha afinidade com temas religiosos e espirituais. Segundo porque considero este espaço, um campo propício a uma análise profunda dos discursos. 


Em minha opinião, o culto ecumênico é um momento/lugar de agradecimento e de reflexão. Cada um faz o seu agradecimento a quem acredita ser seu Criador, sua força e fonte de inspiração que o levou até ali. A reflexão fica por conta dos líderes religiosos que estarão representando cada religião. São eles que falarão principalmente aos formandos, sobre fé e vida. E se “(...) o lugar faz parte do discurso...” - como bem afirmou há poucos dias um ex-professor meu, em um de seus textos - acredito que as mensagens em culto ecumênico devem ser constituídas principalmente de espiritualidade, aplicabilidade e criticidade inteligente, tudo isso porque os seus interlocutores são nada mais, nada menos que religiosos, acadêmicos e intelectuais, acostumados a relacionar teoria e prática. 


Sem querer ser bairrista - quem me conhece sabe que não sou - escrevo este texto para parabenizar a mensagem proferida pelo representante da comunidade evangélica neste culto, pastor Ivan Luiz, líder da Igreja Evangélica Família de Deus no bairro Mandacarú, Jequié. Em sua mensagem ele incluiu todos estes pontos que considero importantes. Sua fala não se resumiu em uma pregação recheada de sentenças finais e não contribuiu para que ali começássemos alguns rituais irracionais a Deus. Falou sobre libertação baseado no texto bíblico de João 8:32 que diz: "e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará", enfatizando sobre a prisão intelectual em que algumas pessoas vivem. "Muitas delas se encontram dentro das igrejas, alienadas e aprisionadas", disse ele. Mas, o pastor deixou claro que é o professor, em seu nobre exercício, o responsável também em levar esta libertação. Sua fala foi capaz de nos levar a perceber que o exercício docente é também a possibilidade de demonstrar a fé. Mesmo utilizando uma metáfora tão simplória - a da beleza de um jardim repleto de flores diferentes – não deixou de falar da diversidade que é o mundo e da tolerância necessária para vivermos em paz. “(...) ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”, o pastor ainda relembrou que é Jesus de Nazaré a fonte desta célebre frase do educador Paulo Freire. Quem estava do meu lado, viu o quanto eu vibrei com as palavras do pastor.


A fala do representante evangélico supriu a lacuna deixada anteriormente pelo representante católico que apenas reproduziu versículos soltos, e proferiu uma fala sem novidade, longe de reflexões mais profundas a respeito da fé e do exercício docente. O católico mais parecia um evangélico pentecostal. Alguém pode me responder por onde andam as marcas de uma teologia engajada e o mínimo que seja daquela crítica que fez/faz parte da história dos movimentos sociais católicos de base? A sua fala recheada de inadequações me causava arrepios na espinha dorsal.


Para mim, significou muito constatar a presença da crítica e da reflexão na boca dos líderes evangélicos nos dois últimos cultos do curso de Letras. Só não imaginava que elas faltariam mais uma vez na boca de um católico.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Síntese e fichamento do texto "Vida de Escritores" de Leonor Arfuch


ARFUCH, Leonor. Vidas de escritores. In: O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Tradução Paloma Vidal. Rio de Janeiro. EdUERJ, 2010. (p. 209-237)

SÍNTESE

O texto Vidas de escritores de Leonor Arfuch apresenta reflexões a respeito do gênero entrevista. Segundo ela, dentre os territórios conquistado por este gênero, o dos escritores foi um dos privilegiados. Para Arfuch, o interesse na vida dos grandes escritores do século XIX não cessou de se incrementar, e a compilação em livros de entrevistas de escritores publicadas, primeiramente na impressa, já se transformou num clássico dessa categoria editorial.
A teórica afirma que o que se pede a essa fala que reduplica a escrita é que o autor preste contas da unidade do texto que leva seu nome e revele o seu sentido oculto, além de que articule com sua vida pessoal e com suas experiências vividas.
Utilizando trechos de entrevistas realizados com diversos escritores, o texto discorre a respeito do “autor” no intervalo entre herança e criação, entre a imposição dos gêneros instituídos e a marca de sua subjetividade, entre o que escreve e o que declara cotidianamente.

FICHAMENTO


  • Vidas e obras

“Nesse falar sobre os livros, as vicissitudes da autoria se articulam, com ênfase peculiar e detalhamento, com a vida pessoal.” (p, 211)

“(...) não haverá detalhe semiótico do entrevistador. (...) quando se trata de escritores, esse detalhe adquire um novo valor, (...) vida e ficção, a solicitação de ter que distinguir o tempo todo esses limites borrados (...) parece um destino obrigatório do métier de escritor.” (p, 211)

“O ‘momento autobiográfico’ da entrevista, como toda forma em que o autor declara a si mesmo como objeto de conhecimento, apontará então para a construção de uma imagem de si, ao mesmo tempo em que tornará explícito o trabalho ontológico da autoria, que se dá, sub-repticiamente, cada vez que alguém assume um texto com seu nome.” (p, 212)

“Assim, o dialogo na proximidade com o autor tentará descobrir, além da trama e das vozes, das adivinhações e das armadilhas do texto e mesmo das ‘explicações’ preparadas para a ocasião, aqueles materiais indóceis e misteriosos da imaginação, de que maneira a vida ronda a literatura ou a literatura molda a vivência.” (p, 212)

“A conversa com escritores se torna, assim, um exercício tão clássico quanto especializado, cujo resultado não se esgota na primeira publicação, mas antes se integra às palavras ditas no universo atribuível ao autor, com o mesmo status que suas cartas, diários íntimos, caderno de notas, rascunhos, suscetível de ser citada como testemunho, de ser compilada em forma de livro, de se transformar em leitura teórica e, evidentemente, em material para uma biografia.” (p, 214)

“(...) a entrevista oferece um terreno iniciático, um material embrionário para retomar e desenvolver, ao mesmo tempo em que assegura um diálogo suplementar com sua posteridade.” (p, 214)

“A entrevista oferecerá, assim, a possibilidade não somente de se debruçar sobre a própria autobiografia (...) mas também de assentar teoria sobe esse gênero literário incerto, de deslindar-se da referencialidade, de enfatizar, (...) sua impossibilidade constitutiva, sua escassa distância do ficcional, suas ‘tretas’ e os jogos múltiplos de interpretação que é capaz de propor a seu leitor.” (p, 216)

“(...) a imersão no mundo da vida do autor ou numa ‘profundidade’ (...) não assegura nada sobre a ‘identidade’ em questão.” (p, 217)

“Da mesma maneira que a respeito de outras posições de autoridade na sociedade (...) a reportagem funcionará aqui como ritual de consagração, gerando seus próprios mitos: o escritor ‘difícil’, pouco inclinado aos encontros; a celebridade que fala em todos os lugares; o ‘resignado’, que suporta pela enésima vez as mesmas perguntas; o rebelde, que recusa os percursos propostos; o ‘midiático’, que administra tão bem sua imagem pública que acaba fazendo de sua vida sua obra.” (p, 217 e 218)

“(...) a atividade do diálogo com o entrevistador, no leque de suas topologias, não deixará de ser, virtualmente, relevante para ambos: por um lado, oferecerá sempre a possibilidade de descobrir alguma aresta impensada da – própria – criação ou algum ‘ar familiar’ não advertido em relação à obra de outros autores; por outro, constituirá uma mostra ‘representativa’ do que ocorreu ou ocorrerá com a recepção da obra.” (p, 218)

“(...) se caráter de mediador faz com que seu questionário não deva refletir somente a opinião pessoal, mas também certas hipóteses (...) a entrevista ecoa, recolhe o que está no ambiente, certo ‘murmúrio’ do discurso social, ao mesmo tempo em que prefigura e constrói modalidades de apropriação.” (p, 218)

  • A cena da escrita

“ Por diferentes caminhos, a interrogação leva à gêneses da escrita, aos bastidores do trabalho do escritor.” (p, 219)

“(...) como deslindar o velho mito romântico do autor inspirado na mais moderna – e pálida – imagem do trabalhador obstinado? (p, 220)

“(...) a entrevista faz disso uma especialidade, na medida em que traz duas iamgens à cena: o vislumbre da inspiração, da iluminação súbita e casual, mas, acima de tudo, a rotina do trabalhador. (p, 220)

“A liberdade do escritor – e da criação – estará assim condicionada pelos mesmos parâmetros que regem qualquer ofício (o horário, o esforço, a angústia), mas também espreitada por uma síndrome mais específica, o ‘bloqueio’, a falta de inspiração...” (p, 221)

“A cena da escrita – como em toda autobiografia – é, por sua vez, indissociável de um começo.” (p, 222)

  • A cena da leitura

“Se a infância do escritor se distingue de outras, nessa inevitável evocação que toda pergunta pelo começo suscita, é pela marca dos livros.” (p, 224)

“A cena da escrita se desdobra, assim, quase obrigatoriamente, em outra cena mítica: a da leitura, que pode ser também a das vozes dos mais velhos, com as quais se tece a identificação.” (p, 224)

“Seja como gesto corporal de iniciação, abertura a uma verdadeira intimidade, relação amorosa com o livro-objeto ou ligação perdurável através da temporalidade, a cena da leitura do escritor é um biografema.” (p, 224)

“Se para Barthes a cena da leitura marca o caráter desejante do sujeito, a oscilação entre prazer e gozo, seu eterno caminho metonímico (...) a recorrência dessa cena em relatos autobiográficos (...) de escritores de diferentes épocas a torna uma fábula de identidade.” (p, 225)

“Mas também toda passagem da ‘vida’ à escrita, (...) corresponde a um ato de leitura, que recorta, do curso do indiferenciado, os elementos suscetíveis de entrar na composição. A leitura do escritor fala, (...)” (p, 225)

“Como sugere Paul de Man lendo Proust (1979, p. 57), a outra coisa que essa cena pode nos dizer vai muito além do detalhe dos livros; ela diz mais do que diz.” (p, 225)

“Cena que está muito longe de ser apenas uma ancoragem mítica da infância (...)” (p, 225)

“Se por meio de suas leituras o escritor define sua dupla identidade como autor/leitor (...) no traçado dessa cartografia não pode faltar a hipótese em torno de sua própria leitura como autor, como imagina seu ‘leitor modelo’ (...) e como se confronta, ou deveria se confrontar, ao produto de sua escrita.” (p, 227)

“A indagação em torno do leitor ou da resposta suscitada pela obra, (...) também pode produzir pequenas peças ensaísticas em que se perfila de certo modo a filosofia do autor, contribuindo assim, de maneira talvez indireta, para a (re) configuração do público (...) em suma, para uma intervenção (...) no horizonte de expectativas.” (p, 228)

  • Dos mistérios da criação

“Se a entrevista incursiona confortavelmente no terreno da autobiografia, situando a pessoa do autor numa trama de pequenos gestos cotidianos, (...) se penetra em zonas destacadas de sua infância e de sua vida, elaborando hipóteses sobre sua correspondência na escrita, se oferece um terreno propenso às memórias, ao diário intimo e à confissão, que outro interesse poderia despertar, além disso, no leitor/entrevistador? (...) ensinamentos sobre como escrever, conselhos, apreciações sobre os contemporâneos, sobre o livro que teria gostado de escrever, rivalidades, fofocas, opiniões sobre teoria e/ou literatura ou sobre qualquer outra coisa.” (p, 229)

“Mas há, obviamente, a obra, que também pode falar através dessa voz. E a obra é um mecanismo prodigioso, cujo mistério a ‘pessoa’ não chega a desvelar, uma distância que já se emancipou de seu demiurgo, apropriada, internalizada pela fantasia do leitor. É por isso que a pergunta a respeito dela será sempre aproximativa (...)” (p, 229)

“No entanto, a curiosidade ronda essas coisas: como surgiu uma ideia, um nome, um rosto, desenlace, como aquele personagem que já faz parte da própria interioridade adquiriu carnadura e impôs um destino à narrativa...” (p, 229)

“(...) talvez as vidas criadas no trabalho de artífice da escrita (...) tenham frequentemente para os leitores uma atração inclusive maior do que as vidas ‘reais’.” (p, 232)

“(...) toda literatura – escrita – é autobiográfica na medida em que participa desse plano concreto, não por aglutinar convencionalmente um conjunto de tropos, mas por compartilhar, mesmo sem confessar, medos, paixões, obsessões, fantasias.” (p, 233)

“Além disso, talvez (...) as formas autobiográficas canônicas sejam escapes verdadeiros da alienação do escritor no texto de ficção, da solidão do si mesmo à qual chega pelo caminho de sua obra, a esse estranhamento de “um ‘Ele’ que substitui o ‘Eu’ (...)” (p, 233)

“Assim, o diário, o mais elusivo e sintomático registro da vida, não seria essencialmente confissão, relato de si mesmo, mas um memorial, um lembrete de quem é quando não escreve, uma ligação aos detalhes insignificantes da realidade, como pontos de referencia para ‘se reconhecer quando pressente a perigosa metamorfose à qual está exposto’ (Blanchot, [1955] 1992, pp. 22-3)” (p, 233)

“ O diário do escritor tenderia, (...) à preservação do tempo comum, do tempo que continua, fechado, como salvaguarda de uma felicidade possível.” (p, 234)

“Voltando ao nosso gênero (...) poderia se postular do mesmo modo que e toda escrita se torna hoje autobiográfica, embora esteja muito longe dos confins do cânone, em grande medida pelo trabalho da entrevista, por essa investida sobre o tempo, a privacidade,a  historia, a pessoa (...) por essas rememorações, reais ou fictícias, que a maquina jornalística o obrigará a contar.” (p, 234)

“O reenvio entre anúncios, manchetes, notas, entrevistas e resenhas tece uma trama peculiar em que, às formas mais ou menos canônicas, se soma uma oferta de escritas de ficção, ensaísticas e até acadêmicas que aparecem necessitadas de se certificar sobre a vida e/ou a subjetividade do autor.” (p, 235)

“Essa insistência em nos convencer da proximidade (...) entre vida e obra, em acentuar o caráter (pretensamente) testemunhal, autobiográfico ou autorreferencial de textos que não o são explicitamente, é mais uma prova da extensão do espaço biográfico contemporâneo, enquanto ancoragem obsessiva (...) numa hipotética unidade do sujeito.” (p, 235)

“ (...) a entrevista de escritores se desdobra como um suplemento necessário. O que é dito ali não só tende a alimentar a lógica insaciável do mercado, a (auto)produção do autor como figura pública, sua imagem como ícone de vendas, como suporte do gesto da assinatura (...) mas também a relação, antiga e fascinante, entre autores e leitores, por caminhos (...) que escapam ao texto e que nem por isso lhe são totalmente alheios, caminhos que levam talvez, inadvertidamente, a outros registros do conhecer (...)” (p, 236)

“E, se para o leitor a proximidade construída na entrevista será suscetível de aportar dados, matizes e emoções não encontrados em outro lugar, para o escritor, o desafio dialógico será capaz de compensá-lo, por sua vez, da carência ou da insuficiência (...) da autobiografia.” (p, 237)

“(...) a entrevista é talvez, em seu devir já canonizado, a outra voz apropriada para quem quiser falar. Um falar inconcluso por natureza, em troca do árduo trabalho de perguntar.” (p, 237)






domingo, 28 de abril de 2013

Resumo do texto "O narrador pós-moderno" de Silviano Santiago


                                                                                                                                       Por Glauce Souza

SANTIAGO, Silviano. O narrador pós-moderno. In: Nas malhas das letras: ensaios/Rio de Janeiro; Rocco, 2002, p. 38-52

É a partir dos contos de Edilberto Coutinho (EC) que Silviano Santiago em seu texto O narrador pós-moderno, discute o que ele considera uma das questões básicas sobre o narrador na pós-modernidade: quem narra uma história é quem a experimenta, ou quem a vê?

O autor apresenta as diferenças entre aquele que narra a partir da experiência e aquele que narra a partir da observação, sinalizando que entre estas diferenças o que está em questão é a noção de autenticidade.

A partir daí, Silviano Santiago arrisca sua primeira hipótese: “o narrador pós-moderno é aquele que quer extrair a si da ação narrada, em atitude semelhante à de um repórter ou de um espectador. Ele narra a ação enquanto espetáculo a que assiste (...) da plateia, da arquibancada ou de uma poltrona na sala de estar da biblioteca; ele não narra enquanto atuante.”

Santiago afirma que ao trabalhar com o narrador que olha para se informar, a ficção de EC dá um passo a mais no processo de rechaço e distanciamento do narrador clássico, segundo as características feitas dele por Walter Benjamin no texto O narrador – considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. É este movimento que torna o narrador pós-moderno, declara Santiago.

Para ele, Walter Benjamin pode caracterizar três estágios por que passa a história do narrador. Primeiro, o narrador clássico, que proporciona ao seu ouvinte a oportunidade de um intercâmbio de experiência; Segundo, o narrador do romance, que não mais pode falar de maneira exemplar ao seu leitor; Terceiro, o narrador que é jornalista, que só transmite pelo narrar a informação, escreve não para narrar a ação da sua própria experiência e sim de outros. Benjamin em seu ensaio valoriza o primeiro estágio e desvaloriza o terceiro e, em seu raciocínio, o principal eixo em torno do qual gira o “embelezamento” (e não a decadência) da narrativa clássica hoje é a perda gradual e constante da sua dimensão utilitária e essa utilidade consiste num ensinamento moral, sugestão prática, provérbio ou norma de vida.

Assim, Silviano Santiago arrisca sua segunda hipótese de trabalho: “o narrador pós-moderno é o que transmite uma sabedoria que é decorrência da observação de uma vivência alheia a ele, visto que a ação que narra não foi tecida na substância viva da sua existência”.
            
É a partir de alguns contos de EC que o autor tenta comprovar as suas hipóteses e entender o significado e a extensão dos problemas propostos a fim de subsidiar numa discussão e futura tipologia do narrador pós-moderno.
            
Neste texto, ele afirma que, a maioria dos contos de EC se recobre e se enriquecem pelo enigma que cerca a compreensão do olhar humano na civilização moderna e o que está em jogo nestes contos é o denso mistério que cerca a figura do narrador pós moderno. Também afirma que o essencial da ficção de EC é a própria arte do narrar hoje.
            
Atrelada a esta constatação e a partir da analise nos contos “Sangue na praça” e “Azeitona e vinho” em que os narradores têm atitude semelhante, surge uma pergunta válida: por que o narrador não narra sua experiência de vida? Santiago afirma que a ação pós-moderna é jovem, inexperiente, exclusiva e privada da palavra e isso explica porque a ação não pode ser dada como sendo do narrador.
            
A respeito do narrador e do leitor, o autor afirma que ambos se encontram privados da exposição da própria experiência na ficção e são observadores atentos da experiência alheia. Segundo ele, a importância do personagem na ficção pós moderna se revela na pobreza de experiência tanto do narrador quanto do leitor, e estes se definem como espectadores de uma ação alheia que os empolga, emociona e seduz.

Segundo Santiago para falar da incomunicabilidade de experiências (a do narrador e a do personagem) que a ficção existe. A incomunicabilidade, no entanto, se recobre pelo tecido de uma relação, relação esta que se define pelo olhar e a retribuição deste olhar não é importante. Trata-se de um investimento feito pelo narrador em que ele não cobra lucro, pois o lucro está no próprio prazer que tem de olhar. A respeito da maioria dos contos de Coutinho, ele assegura que se recobrem e se enriquecem pelo enigma que cerca a compreensão do olhar humano na civilização moderna.
          
Santiago adverte que caso o olhar queira ser reconhecido como conselho, surge a incomunicabilidade entre o mais experiente e o menos. A sabedoria apresenta-se, pois, de modo invertido. Assim, declara: “Há um conflito de sabedorias na arena da vida, como há um conflito entre narrador e personagem na arena da narrativa”.
           
Feito isto, apresenta uma distinção importante entre o narrador pós-moderno e o seu contemporâneo (em termos de Brasil), o narrador memorialista. Na narrativa memorialista, o narrador mais experiente fala de si mesmo enquanto personagem menos experiente, extraindo da defasagem temporal e mesmo sentimental a possibilidade de um bom conselho. Já o narrador da ficção pós-moderna não quer enxergar a si ontem, mas quer observar o seu ontem no hoje de um jovem.
          
Silvano Santiago ainda afirma que há um olhar camuflado na escrita sobre o narrador de Benjamin que merece ser revelado e que se assemelha ao olhar que é descrito no texto. Segundo ele, o olhar no raciocínio de Benjamin caminha para o leito da morte, o luto, o sofrimento e a lágrima enquanto que o olhar pós-moderno (em nada camuflado, apenas enigmático) volta-se para a luz, o prazer, a alegria e o riso.
           
Santiago finaliza o texto chamando à atenção para a dureza e exigência dos tempos pós-modernos. Uma delas, querer a ação enquanto energia e se falta à ação representada o respaldo da experiência, esta, passa a ser vinculada ao olhar, pois, segundo ele: “O narrador que olha é a contradição e a redenção da palavra na época da imagem. Ele olha para que o seu olhar se recubra de palavra, constituindo uma narrativa.”



Fichamento do texto "O que é teoria?" de Jonathan Culler


Por Glauce Souza


CULLER, Jonathan. O que é teoria? In: Teoria Literária: uma introdução. São Paulo: Beca Produções Culturais, 1999.

  •            “Nos estudos literários e culturais, nos dias de hoje, fala-se muito sobre teoria (...) ‘teoria’ pura e simples.” (p, 11)


  •            “Às vezes, a teoria parece menos uma explicação de alguma coisa do que uma atividade – algo que você faz ou não faz.” (p, 11)


  •            “A ‘teoria’, nos dizem, mudou radicalmente a natureza dos estudos literários, mas aqueles que dizem isso não se referem à teoria literária, à explicação sistemática da natureza da literatura e dos seus métodos de análise.” (p,11)


  •            “Quando as pessoas se queixam de que há teoria demais nos estudos literários nos dias de hoje, elas não se referem à demasiada reflexão sistemática sobre a natureza da literatura ou ao debate sobre as qualidades distintivas da linguagem literária, por exemplo. Longe disso. Elas têm outra coisa em vista.” (p,11)”


  •            “O que têm em mente pode ser exatamente que há discussão demais sobre questões não-literárias, debates demais sobre questões gerais cuja relação com a literatura quase não é evidente, leitura demais de textos psicanalíticos, políticos e filosóficos difíceis.”  (p,11)


  •            “Parte do problema reside no próprio termo teoria, que faz gestos em duas direções. Por um lado, falamos de ‘teoria da relatividade’, por exemplo, um conjunto estabelecido de proposições. Por outro lado, há o uso mais comum da palavra teoria.” (p, 12)


  •             “Uma teoria deve ser mais do que uma hipótese: não pode ser óbvia; envolve relações complexas de tipo sistemático entre inúmeros fatores; e não é facilmente confirmada ou refutada.” (p, 12)


  •          “Teoria, nos estudos literários, não é uma explicação sobre a natureza da literatura ou sobre os métodos para seu estudo (embora essas questões sejam parte da teoria...) (...) ” (p, 12)


  •           “É um conjunto de reflexão e escrita cujos limites são excessivamente difíceis de definir.” (p, 12 e 13)



  •            “(...) obras que conseguem contestar e reorientar a reflexão em campos outros que não aqueles aos quais aparentemente pertencem (...) têm efeitos que vão além de seu campo original.” (p, 13)


  •            “Teoria (...) um grupo ilimitado de textos sobre tudo o que existe sob o sol, dos problemas mais técnicos de filosofia acadêmica até os modos mutáveis nos quais se fala e se pensa sobre o corpo.” (p, 13)


  •            Segundo Ricard Rorty, “(...) um novo tipo de escrita que não é nem a avaliação dos méritos relativos das produções literárias, nem história intelectual, nem filosofia moral, nem profecia social, mas tudo isso combinado num novo gênero”. (p, 13)


  •           “O principal efeito da teoria é a discussão do ‘senso comum’: visões de senso comum sobre sentido, escrita, literatura, experiência.” (p, 13)


  •           “O filósofo Richard Rorty fala de um gênero novo, misto, que começou no século XIX (...)”(p, 13)


  •             “A teoria é muitas vezes uma crítica belicosa de noções de senso comum; mais ainda, uma tentativa de mostrar que o que aceitamos sem discussão como ‘senso comum’ é, de fato, uma construção histórica, uma teoria específica que passou a nos parecer tão natural que nem ao menos a vemos como uma teoria.” (p, 14)


  •            “(...) a teoria envolve a prática especulativa (...)” (p, 22)


  •            “(...) o principal ímpeto da teoria recente, que é a crítica do que quer que seja tomado como natural, a demonstração de que o que foi pensado ou declarado natural é na realidade um produto histórico, cultural.” (p, 22)


  •           “Então, o que é teoria? Quatro pontos principais surgiram.


1)      A teoria é interdisciplinar – um discurso com efeitos fora de uma disciplina original.
2)  A teoria é analítica e especulativa – uma tentativa de entender o que está envolvido naquilo que chamamos de sexo ou linguagem ou escrita ou sentido ou o sujeito.
3)      A teoria é uma crítica do senso comum, de conceitos considerados como naturais.
4)     A teoria é reflexiva, é reflexão sobre reflexão, investigação das categorias que utilizamos ao fazer sentido das coisas, na literatura e em outras práticas discursivas. (p, 23)

·       “(...) a teoria é intimidadora. Um dos traços mais desanimadores da teoria hoje é que ela é infinita. Não é algo que você poderia algum dia dominar, nem um grupo específico de textos que poderia aprender de modo a ‘saber teoria’.” (p, 23)

·         “A teoria faz você desejar o domínio: você espera que a leitura teórica lhe dê os conceitos para organizar e entender os fenômenos que o preocupam. Mas a teoria torna o domínio impossível (...)” (p, 24)

·             “ (...) a teoria é ela própria o questionamento dos resultados presumidos e dos pressupostos sobre os quais eles se baseiam.” (p, 24)

·          “A natureza da teoria é desfazer, através de uma contestação de premissas e postulados, aquilo que você pensou que sabia, de modo que os efeitos da teoria não são previsíveis.” (p, 24)